quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Teatro Veriedades - Lisboa


 
Num País onde a comédia e a tragédia é uma constante social, tal como a fantasia e histórias de cordel, é difícil entender como a arte teatral anda tão por baixo.
 
A quantidade de teatros fechados em Portugal é assustadora, e há sempre movimentos de cidadania prontos a defendê-los, nem sempre com pretendido sucesso. Esperemos que algum acto cívico acabe com esta veleidade de fazer pela cultura, e haja de vez essa vontade.
A decadência do teatro é um fenómeno social que resulta da evolução do mercado de entertenimento, da especulação imobiliária e acima de tudo, pela falta de investimento nos diversos segmentos da cultura, que a todos os dias definha a olhos vistos, sendo habitualmente preterida por vulgaridades que nos conduzem à estagnação.
O teatro foi a forma de entretenimento mais popular de todos os tempos, legando-nos um vasto espólio cultural, escrito, declamado, erigido, cantado, rido e chorado...
O seu contributo para a evolução da sociedade, através do pensamento e do sentimento expresso em cada peça, das alegrias e triztezas de cada acto, da LUZ e cor que nos encantou em cada cena, e de tudo o que nos fez falar, ditando modas e estreitando relações e laços sociais através dos tempos...
De Gil Vicente e seus autos, a Lá Féria e as suas revistas, o teatro português está pejado de êxitos que marcaram todas as gerações de actores a espectadores, que fielmente deram vida à suprema arte da representação.
Poderemos até dizer que nunca outra actividade terá tido tanta influência na nossa evolução social... nem mesmo o futebol :-)~ 
Apenas um teatro lisboeta deve ser preservado como ruína, é este testemunha da antiguidade desta arte e a sua história é longínqua, a sua importância faz-se notar pela dedicação que lhe devotam desde que foi descoberto após o terramoto, sendo hoje um ex-libris de Lisboa: o Teatro Romano - onde tive a honra de expôr um dia e durante quase três anos...
TODOS os outros teatros merecem ser reabilitados e dinamizados como forma de expressão cultural, o impacte social sentir-se-ia não só a nível económico, mas acima de tudo pela oportunidade de uma saudável e enriquecedora forma de sociabilização e aprendizagem de vida.
Todos nós temos memórias que nos enaltecem culturalmente, que nos fizeram rir, chorar e muitas lições nos deram, por isso faz-nos ainda mais confusão estas “Variedades” de ruínas, por estarmos emocionalmente a elas ligadas.
O Teatro Variedades no Parque Mayer, onde coração teatral bateu mais forte em Portugal, definha por falta de investimento na cultura, por burocracias que nos atrasam em todos os sentidos, e por inépcia governativa e especulação finaceira... desde há décadas.
O Parque Mayer deve o seu nome a Adolfo de Lima Mayer, por estar inserido no outrora jardim do palacete, prémio Valmor de 1902, então pertença deste ilustre cidadão.
Abriu portas a 15 de Junho de 1922, por iniciativa de Luís Galhardo, e foi idealizado para ser a Broadway de Lisboa, trazendo para a capital uma variedade de espectáculos que deliciava uma sociedade ávida de lúdicas aventuras e de constante boa disposição.
Teve este recinto o maior papel na vida do teatro português. Durante décadas aqui foi o epicentro  da folia cultural lusitana, onde acorriam multidões de todas as idades e estratos socias, saboreando o ambiente alfacinha que se respirava em cada canto.
Foi palco de inúmeras estreias, e aqui se lançaram e celebrizaram os melhores nomes da arte do espectáculo das últimas décadas. Pelas memórias aqui encerradas se pode dizer que aqui pena a alma da teatralidade.
O Parque Mayer é um misto de berço e de sepulcro do teatro português, e a avaliar pela celeridade da sua reabilitação, deve estar a aguardar que lhe caia um meteorito em cima, resolvendo de vez os problemas do seu proprietário.
Após conturbadas e duvidosas negociações que resultaram na queda do executivo camarário, animando a vida política e judicial com o mediático processo Bragaparques, cuja sentença fez devolver à empresa do mesmo nome os terrenos e uns valentes milhões de indemenização...
...quem redigiu o contrato de promessa de compra e venda era certamente um grande incompetente!!!
Por consequência, além de votar ao abandono todo este património histórico, as perdas resultantes foram astronómicas... só se eles mudassem o nome para "Bragateatros", talvez pudessem dar um mais distinto destino a este espaço.
Ficavam com os planos de Frank O’Geary que a CML pagou 2,5 M€, subtraindo aos 101M€ que receberam, investindo-os na reabilitação... isso sim, era uma sentença... das muito brandas!!!
Mas voltando ao Teatro Variedades...
A sua traça foi erradamente atribuída por muito tempo a Manuel Joaquim Norte Júnior, foi este teatro gizado por Urbano de Castro, em 1924, (de quem mais nada descobri... se souberem algo...), tendo sido edificado por cima do lago do supracitado jardim.
Foi inaugurado em 1926, tendo sido o segundo edifício do seu género a ser construído no Parque Mayer e a peça de estreia foi a revista “Pó de Arroz”, contando no elenco com Vasco Santana e Costinha e com a encenação de Artur Rosa Mateus.
Desde então que uma verdadeira chuva de estrelas por aqui passou, afirmando e consolidando o Teatro Variedades como “catedral de teatro”.
A este palco subiu também em 1931, Beatriz Costa, que fez furor nas revistas “O mexilhão” e o “Pim Pam Pum”, tal como Raúl Solnado e Eunice Muñoz na década de sessenta, aqui desempenharam papéis que os promoveram ao estrelato...
Foi igualmente neste palco que José Viana estreou o que é hoje uma das mais conhecidas obras do cancioneiro nacional, o “Fado do Cacilheiro”, letrado por Paulo da Fonseca e musicado por Carlos Dias.
O mesmo José Viana, em 1974 após o 25 de Abril, aquando em cartaz se representava a revista “Ó pá, pega na vassoura”, tem uma intervenção apelando à unificação das forças de esquerda e glorifica os responsáveis da revolução.
Já nos anos noventa, e após a renovação do interior deste espaço, foram realizados e gravados para a RTP1, vinte e seis episódios do programa musical “Grande Noite” de Filipe La Féria, recorrendo a um jovem elenco já versado nas actividades teatrais do Parque Mayer.
A tecnologia que equipava o Teatro Variedades sempre o manteve na vanguarda das artes espectaculares.
Foi em 1940 adaptado para projecções cinematográficas, ampliando a oferta e angariando um novo público.
Em 1950 foi montado um palco giratório que fez as delícias da Companhia de Comédia Brasileira, na peça “A Canção da Felicidade”.
A constante evolução estrutural deveu-se não só à adapatação tecnológica, como a uma série de vicissitudes. 
Por duas ocasiões aqui se deflagrou um incêndio (1940 e 1965) que obrigou a profundas remodelações, sendo o último contido por uma cortina de segurança em ferro, mas insuficiente para evitar a destruição da caixa de palco que foi totalmente devorada pelas chamas.
A lotação deste espaço, corrobora a sua importância no mercado de entretenimento, foram fixados em 1953, 1029 lugares distribuidos cinco sectores, eram a plateia, frisas, camarotes, 1º balcão e geral. Após as obras de remodelação em 1965, seriam aqui confortavelmente acolhidos 949 espectadores, fazendo deste espaço um dos maiores da capital.
O passado do Teatro Variedades é um marco da história de Lisboa, o seu presente é uma nódoa que a todos incomoda e o seu incerto futuro uma preocupação que urge ser resolvida, com a pena de uma irreparável perda patrimonial, material e imaterial, para todos nós e para a cidade capital.

Fontes:





quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O Cine-Teatro Ódeon - Lisboa

O Cine-Teatro Odeon tem os dias contados e a sentença proferida ... uma sentença de morte com uma promessa de ressurreição.
Caiu no esquecimento dos lisboetas por mais de vinte anos e é hoje palco de um espectáculo menos lúdico do que o que nos tinha habituado... a sua descaracterização em nome da sua salvação.
Uma vez mais o carrasco é em simultâneo o “salvador”... tornando ainda mais bizarro este rocambolesco projecto.
 Durante o seu fecho ninguém se incomodou com a sua preservação, agora que se vê irremediavelmente ameaçado é hora de “descruzar os braços”...
Este tão grandioso e icónico edifício foi vítima da sua índole, estrutura, localização e inépcia das entidades que o deviam proteger.
A falência das grandes salas de espectáculos ditou o seu destino comercial inviabilizando a continuação da exploração, limitada pela escassa rentabilidade de tamanha estrutura.
Embora se possa supor que pela escassez de salas de congressos em Lisboa, se poderia dar-lhe outro destino que não a sua desfiguração e condenação, a especulação imobiliária e os valores pecuniários tiveram a última palavra neste infeliz processo.
A sua breve história contribuiu para um enriquecimento cultural e patrimonial, quiçá também para servir de exemplo às vindouras gerações de tudo aquilo que se deve evitar, uma vez que costumamos apenas dar valor àquilo que se perde.... neste caso, irremediavelmente.
O seu projecto foi gizado pelo seu construtor, Guilherme A. Soares em 1923, tendo sido erigido quatro anos depois na Rua dos Condes, adossado às traseiras do cinema com o mesmo nome.
O seu estilo, com laivos de classicismo confere-lhe uma aura de erudição arquitectónica corroborando-o como uma casa de cultura.
A fachada rica em elementos decorativos e graciosamente prendada com uma fenestração exemplar, torna-o numa jóia de arquitectura que faria roer de inveja qualquer capital mundial.
No interior somos brindados com uma traça Art Déco elevada ao seu maior esplendor. O tecto certamente inspirado num majestoso navio de cruzeiro das índias, foi construído em madeira de Pau-Brasil e é encimado por uma generosa clarabóia que enche este espaço de LUZ , tornando-o único no seu género em todo o mundo.
O frontão da boca de cena é outro elemento decorativo que torna este singelo espaço num autêntico tesouro de arquitectura e "antro de cultura", é suportado por duas colossais colunas caneladas que lhe emprestam uma grandiosidade digna de um Teatro Nacional, sobrepondo a sua beleza a qualquer outro cenário que aqui tenha vivido nos tempos áureos deste espaço.
O recinto divide-se pela sua altura em plateia e quatro ordens, constituindo frisas, um balcão inferior, camarotes (onde Salazar tinha um lugar de honra) e balcão superior, distribuídos por uma área de 5.000 m2 que acomodavam uma pequena multidão em cada espectáculo.
Foi inaugurado com a devida pompa a 19 de Setembro de 1927, com a projecção do filme de Eric von Sroheim , “A viúva alegre”, e aqui se estrearam filmes como o “Pátio das Cantigas” e o “Leão da Estrela”.
No plano musical foi também um espaço de eleicção, tendo sido palco de actuações  de estrelas como de António Calvário e de Madalena Iglésias, além de ter tido uma excelente orquestra residente.
O Ódeon foi também concebido como um espaço teatral, onde essa arte fez furor neste palco
Este edifício era dotado de toda uma logística e meios técnicos do melhor de então, contando com camarins e bastidores para um elaborado elenco, tal como adereços e apoio cénico... como era um espectáculo completo e completamente espectacular. 
Foi acrescentado à sua traça em 1931 os balcões laterais e a galeria exterior que hoje anima a sua fachada e ainda preserva alguns dos vitrais e vestígios do glamour dos velhos tempos.
Por uma questão estratégica de mercado e por acordo com uma distribuidora, dedicou-se  a partir dos anos sessenta, à projecção de filmes espanhóis e mexicanos, garantindo o seu sucesso comercial por preencher um nicho de mercado de aficcionados espectadores.
Acabou os seus gloriosos tempos entrando em vertiginosa decadência, quando nos últimos anos de vida apenas projectava filmes de adultos e de carácter duvidoso...
 
A luta para a preservação do Ódeon foi encetada e encabeçada por Paulo Ferrero, líder e fundador do fórum Cidadania LX, que tem sido incansável na defesa do património erigido de Lisboa.
Este exemplar cidadão fez dar início no então IGESPAR para a sua classificaçlão, entre 2005 e 2009, foi em 2010 revogado o pedido extinguindo o processo.
Não rendido à desgraçada situação, iniciou uma petição atravéz do fórtum, recolhendo onze mil assinaturas que não foram suficientes para impor a democracia num dito estado de direito... não há direito...está tudo torto!
A sociedade que o detinha, colocou um projecto para o transformar num centro comercial e de congressos, com a promessa de manter o tecto e o frontão, projecto que tem sido travado, adiado e protelado...
Até que a DGPC aprovou a sua conversão para apartamentos e lojas, dando início às obras de demolição...
Por ter prometido ao guarda que me deixou fotografar que só publicaria este trabalho nesta ocasião, aqui vos deixo este último testemunho do Cine-Teatro Ódeon e tudo o que restou do seu esplendor.

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