Avizinhando-se a primeira exposição deste projecto na Invicta Cidade, com uma nova colecção inteiramente dedicada a esta magnífica e histórica região, venho aqui homenagear todos os portuenses e em especial, a Dra. Maria do Carmo Serén, que amavelmente me agraciou com a sua pena...
Já sabem, será inaugurada no dia 2 de Abril, pelas 16.30h no Palácio das Artes, no Largo de S. Domingos, 16-22, ficará patente até dia 24 ... conto com a vossa massiva presença e incondicional apoio a esta causa que é de todos nós.
Gastão de Brito e Silva.
Gastão de Brito e Silva.
Sabemos bem que cruzamos o tempo da Post-fotografia, esse conjunto de tendências que solicitam uma concepção de arte total, (tudo é Arte, tudo pode ser estético) e exploram as capacidades tecnológicas da representação.
Há, com isto e fora disto, um novo olhar sobre o mundo urbano onde não se distingue centro de periferias e uma concepção sobre o território onde se desenham, em grandes espaços, passagens breves do cultural sobre a Natureza.
Aí se levanta ainda a questão dos vestígios. Testemunhos de civilizações, de arqueologia urbana, rural, exótica ou industrial são agentes de uma interrogação sobre o presente.
A noção romântica de ruínas, de restos nostálgicos de uma cultura de origens, surge agora como manifestação crítica da perda, da desconstrução que rege a actividade criativa do homem.
Um dos processos mais recentes da abordagem da degradação, do absurdo do envelhecimento das coisas é a cartografia fotográfica, que no conjunto do observado destaca pelo escurecimento ou banimento da força do contexto, os objectos a distinguir.
E assim, porque destacados num meio neutro, o objecto torna-se pregnante como uma escultura no terreno.
É esse o processo usado por Gastão de Brito para destacar as suas ruínas de prédios erodidos, que se isolam no seu tempo e fora do seu tempo.
As suas ruínas, (prédios, quintas, fachadas, interiores ou pormenores artísticos) são indiciados pela cor e elevam-se num meio de cinza de chãos, céus, construções ou mesmo pessoas.
No cinzentismo da envolvente, as ruínas ganham vida, essa vida de desolação e beleza tardia e frágil, que exige intervenção imediata.
O edifício que sobe a rampa difícil, impera na encosta no seu vermelhão envelhecido; a velha quinta com telhados seiscentistas e entradas para cavalos, amarelecida na sua erosão, distingue-se do aprumo e geometrismo recente das habitações que espreitam num plano posterior; A fonte que se avista no portal do prédio de construção adiada inviabiliza a destruição do edifício, mas é de novo a cor que sobressalta e fixa o olhar.
São notas alheias de cor, (uma buganvília, um rosa forte, os vidros partidos de um conhecido armazém…) que instalam a decadência e a sedução.
Por vezes o efeito de destaque é provocado pela claridade imposta ao objecto, uma das práticas da nova fotografia cartográfica.
O destaque transforma-se numa topografia. Outras imagens introduzem esse factor da erosão e do abandono contemporâneos que são os grafitti.
Podem por si só, eleger um edifício como ruína; ou proporcionar uma bela imagem: o homem de boné que não esconde os cabelos brancos, feito sombra cinzenta no colorido do muro sugestivo.
Os grafitti são um elemento informativo do nosso tempo, dizem o mesmo que a árvore de Maio da Revolução Francesa, anunciam a contestação e a afirmação de si de um grupo novo.
Podem ser arte, podem juntar um ar estético ao vazio. Mas tal como aqui os vemos também denunciam a degradação.
O sentido estético destas imagens de Gastão de Brito não se constrói a partir da nostalgia; entranha-se como uma variante da própria fotografia que nos mostra o que foi como uma emanação; que nos fala de presença e ausência simultânea.
São ambas, ruínas e imagem fotográfica, o sinal de uma catástrofe e à iminência de um desastre, (a fotografia, suspendendo o tempo é uma catástrofe no conceito das leis da Natureza). Ambas assinam uma declaração de morte.
Talvez por isso mesmo, nessa aliança dos dois objectos, ruínas e imagem fotográfica, a nostalgia infiltra-se por entre os recursos da cartografia. Vestígios como estes não são apenas imagens, são semântica.
Dizem-nos de outros tempos, da vida que proporcionaram, da beleza que suscitaram. Dizem-nos das origens e da sua morte.
E legitimam a nossa frágil condição: em linguagem psicanalítica a casa é o nosso corpo e o seu fraccionamento, uma castração, uma perda.