Sem querer plagiar o título das obras de El-Rei D. Duarte, resolvi escrever alguns conselhos que tenho seguido com devoção, pois sei que estas ruinosas andanças podem além de boas fotografias, proporcionar algumas encrencas... aqui vos deixo o testemunho de uma curta (para já) e congratulante carreira.
O ser "ruinólogo", não é apenas visitar estes locais e explorar a sua fotogenia, há um grande trabalho de fundo que começa ao entrevistar os vizinhos de cada ruína, tentar saber as suas memórias e experiências, suas histórias e vivências... deste modo começa a longa pesquisa, que nem sempre termina, ou dá os frutos desejados.
Há que saber distinguir as informações, que são muitas vezes deturpadas e fruto de mitos urbanos, autênticos enganos que nos levam a errar e dar continuidade a uma história distorcida.
A internet é sem dúvida uma valiosa fonte de informação, mas que devem ser corroboradas em vários locais, pois uma vez mais, podemos encontrar a mesma asneira escrita em diversos sítios, repetindo-a, e assim contribuir para uma história falsa ou mal contada.
Saber algo sobre arquitectura e história de arte, mesmo na forma de cultura geral e sem requerer grandes estudos, ajuda muito a tirar conclusões. Ao avaliar um estilo de arquitectura, podemos colocar num período temporal determinado edifício, embora haja muitas vezes alterações de traça e revivalismos, que nos podem desviar do bom caminho.
Geralmente os edifícios nobres, militares e clericais, são de mais fácil pesquisa, depois da sua identificação... mas mesmo assim a pesquisa, na maior parte das vezes não é tão simples como gostaria.
Costumo frequentar sites de genealogia para melhor conhecer os antigos locatários de cada local, e muitas vezes consigo encontrar descendentes que localizo pela lista telefónica nacional... estes descendentes geralmente conhecem histórias que não estão acessíveis nos livros e podem fornecer dados que enriquecem muito cada episódio desta ruinosa aventura, contando uma versão mais fidedigna das que foram publicadas anteriormente, ou até mesmo em primeira mão.
Se tudo isto falhar... lá terei que ir para os arquivos municipais dar trabalho aos funcionários justificando os seus ordenados... e muitas vezes não é suficiente por a história ter há muito sido apagada, ou ainda, não registada na devida altura.
Nesses casos, resta-me alvitrar, ou publicar cada edifício num contexto geral... tenho muitos à espera, de uma oportunidade, para serem publicados.
As unidades industriais, além de uma fotogenia ímpar, são as que nos contam as melhores histórias. São geralmente histórias colectivas ligadas a toda uma sociedade, a um ou mais produtos que já se deixaram de fabricar...
É bom tentar saber além desses produtos, quando abriu e fechou a sua laboração, a quem pertenceu, quantos empregados teve, e um sem fim de questões que nos possam surgir em cada caso.
Perguntam-me também muitas vezes, como é que localizo ruínas... infelizmente é muito fácil tropeçar em ruínas neste país à beira mar abandonado, geralmente são essas que mais fotografo, as que tropeço e voluntariamente se colocam no meu caminho...
Há fóruns e sítios na internet que também são uma fonte de inspiração, e quando localizo algum edifício que peça a minha intervenção e fique fora de mão, escrevo na minha ruinosa agenda a sua localização, para uma futura incursão.
Quando me desloco para alguma localidade, "nunca antes navegada" costumo consultar o Google Earth.
Pela avaliação de uma imagem aérea rapidamente ficamos a saber onde devemos ir... quem não tiver telhado, é certamente uma ruína, também um jardim mal tratado que se confunda com um matagal tem boas probabilidades de o ser, depois é só passar por perto e confirmar o seu estado de abandono...
Todas as ruínas são PERIGOSAS, umas mais do que outras com certeza, toda a cautela é pouca quando nos aventuramos. Ao invadirmos uma propriedade estamo-nos a habilitar a um processo judicial e à hipótese de sermos expulsos, logo e sempre que possível, devemos ter a devida autorização.
Caso nos introduzamos sorrateiramente, como na maior parte dos casos acontece, devemos dizer a alguém onde fomos, porque se ninguém nos vir entrar também ninguém ligará se não nos virem a sair... devemos levar companhia ou ao menos um telemóvel para o caso de ser preciso ajuda.
Se saltarmos um muro, temos de ter a certeza que o conseguimos transpor no sentido inverso, e nem sempre isso é possível, por isso, nem todas as propriedades podem ser visitadas por muito apetecíveis que possam parecer.
Os maiores perigos são os encontros imediatos com qualquer locatário que seja maior do que nós e/ou esteja armado... há sempre essa hipótese! Também os cães podem fazer algumas mazelas, as propriedades podem estar devolutas e haver cães a guardar, e com esses não dá para falar!!!
Mas os maiores perigos são as derrocadas e desabamentos. Madeiras podres nos vigamentos e soalhos são sempre um risco, pois cedem facilmente e os trambolhões são do tamanho de um pé direito muitas vezes generoso, e o material fotográfico é frágil e caro...
... a propósito de fotografia, que nunca aqui foi referida, ainda para mais sendo eu fotógrafo e formador dessa arte.
Embora este blogue viva essencialmente da fotografia sendo até considerado que é dedicado a essa mesma componente, é na minha opinião um blogue dedicado ao património, nunca me tendo passado pela cabeça que é afinal a fotografia que o faz viver, não obstando o interesse dos textos.
Como o próprio nome indica, na fotografia o elemento principal é a LUZ... antes de abordar um edifício, devemos conhecer a sua orientação solar para melhor tirar partido de cada elemento.
Uma vez que é sempre fotografia de arquitectura, independentemente do estado em que se encontra, devemos seguir os moldes de enquadramento comuns, privilegiando as perspectivas, linhas e verticalidade, tal como ponderando sempre o enquadramento em relação à geometria de cada espaço.
Cada vez que fotografamos um interior devemos usar tripé, pois sem ele as exposições ficam comprometidas. As tomadas são sempre captadas em RAW para poderem ser manipuladas e tirar partido da latitude do ficheiro, se utilizarem um jpeg perderão muita informação que enriqueceria a imagem.
As objectivas devem ser isentas o mais possível de aberrações. A distorção física e cromática arruínam um bom trabalho. A lente é sempre mais importante que a câmera, pois é nela que reside a definição da imagem.
A polarização da luz também pode melhorar muito uma imagem, invistam num bom filtro polarizador. Como é comum neste género fotográfico, as lentes grande-angular, são as nossas melhores amigas, mas nem sempre suficientes para cobrir todo um cenário, nesse caso faremos um puzzle de imagens para uma posterior edição, criando desta forma perspectivas que seriam impossíveis, com uma abrangência plena de todo o nosso objecto.
Chama-se stitching a esta técnica, já cheguei a juntar quase duas dezenas de imagens numa só... com certeza que o programa de edição e o computador devem ter essa capacidade, pois o peso de uma imagem desse tamanho exige além de paciência, uma grande capacidade de computação.
Espero com este post poder contribuir com a minha experiência para muitos "ruinólogos" que todos os dias me pedem informações e opiniões sobre esta minha actividade, e conto convosco para a dinamizar, pois há milhares de ruínas em solo nacional e eu sozinho não conseguirei dar conta do recado. Convido-os também a partilhar aqui as vossas experiências, pois serão sempre enriquecedoras e todos teremos a ganhar.
Bem hajam e muita LUZ
Gastão, essencial, essencial... uma legenda nas fotografias para sabermos a que dizem respeito.
ResponderEliminarEu sei, foi de propósito... são reportagens à espera de história e em "banho Maria"... hão de ser identificadas atempadamente, mas se quiseres saber alguma posso-te elucidar...
ResponderEliminarAmigo Gastao,
ResponderEliminarMuito obrigado pelas dicas fotograficas. De facto era uma lacuna que ja tinha detectado. Em bom tempo li aqui as tuas dicas.
Espero que tenhas a intencao de continuar a partilhar dicas sobre fotografia. Para os pequenos ruinologos que te seguem, poderemos tirar partido da tua longa experiencia e trabalho de qualidade.
Sempre em frente, amigo Gastão! :-)
ResponderEliminarBelos conselhos para quem se inicia nesta arte de ruinólogo. Lembraste do trambolhão do Gino ?
ResponderEliminarQuando é a próxima saida ?
Não sei ainda quando irei ao norte, mas já tenho uma boa dúzia de pérolas a visitar...e conto convosco!
EliminarGastão
ResponderEliminarObrigado por partilhares algumas técnicas. Eu como sou um ignorante em fotografia, registei as informações, que consegui compreender.
Concordo quando afirmas que o tema principal do teu blog é o património, mas ao mesmo tempo que nos angustia a degradação e o abandono dos palácios, igrejas e fábricas há um deleite enorme na visualização das imagens. Há um prazer na fruição da imagem que é gerado pela tua arte fotográfica e pela dignidade e tristeza das ruínas.
Abraços
Seria possível informar-me sobre a localização de alguns dos locais onde foram tiradas as fotografias?
ResponderEliminarEstou a começar um blogue de moda e tenho como preferência paisagens em ruínas e as que vi aqui são realmente inspiradoras.
Muito obrigada e parabéns pelo o trabalho