O Palácio Farrobo, foi uma das mais faustosas propriedades de
Portugal, a sua envergadura e riqueza, rivalizava com as mais ricas e
nobres residências de então.
A tradição portuguesa não é rica neste tipo de edifícios, embora grassem
pelo país muitos palacetes e solares, os palácios eram quase exclusivos
da casa real. Eram símbolos de poder e por tal eram quase um
"atrevimento" erigir algo desta dimensão e imponência...
Apenas a uma pessoa de grande fortuna e influência social seria
possível realizar um projecto desta índole... espelhando de uma pálida
forma a grandeza de Joaquim Pedro Quintela, segundo barão deste nome e
primeiro conde de Farrobo.
Era a sua quinta de recreio, onde realizava festas para a nobreza e
alta burguesia, organizava caçadas e produzia vinhos de grande
qualidade... as marcas que estas festas deixaram na sociedade, pela sua
grandeza e criatividade, geraram termos que são hoje comummente usados
para definir uma grande folia: a Farra, o Forrobodó, e em brasileiro até
se dança o Forró...
Joaquim Pedro de Quintela, era senhor de um vasto império
empresarial que herdou do seu pai e tão sabiamente soube ampliar,
tornando-se no maior magnata português do século XIX. Os registos das
suas propriedades ocupavam nove livros de assentos e estendiam-se por
todo o território nacional.
A sua ascensão social, deveu-se em parte pelo apoio dado a D. Pedro
IV e à causa liberal, para a qual generosamente contribuiu, tendo sido
agraciado com o título de conde como reconhecimento e gratidão.
Farrobo, era não só um homem de negócios, como também um homem de, e da
cultura, foi mecenas de vários artistas e empresário do Teatro de S.
Carlos... como ouvi um dia ser descrito, seria nos dias de hoje um
"Belmiro LaFéria".
Distinguiu-se nas artes como músico, actor e pintor, além de ter
promovido vários artistas de relevo, chegando a "importar" para a sua
corte grandes vultos da música europeia.
Também se destacou no campo da política, tendo sido deputado pela
Estremadura e senador por Lamego e Leiria, como militar, atingiu o posto
de coronel de cavalaria da Corte da Rainha.
Embora a sua vida social esteja bem documentada, da sua vida intima
pouco se sabe, por escassearem cartas pessoais e crónicas familiares, da
sua verdadeira personalidade pouco se conhece com exactidão.
Podemos alvitrar quer era um homem de família, pela prole e pelos
seus dois casamentos... sabe-se também que tinha um fetiche por pernas,
por ter sido encontrado recentemente uma caixa com várias pernas de cera
no Teatro de S. Carlos, que se sabe terem sido da sua pertença, mas isso
é muito pouco para definir um homem deste calibre.
A sua queda financeira deveu-se a um negócio de tabaco, cujo monopólio
ao ser vendido a um outro empresário, não rendeu a este segundo o que
estaria previsto pela especulação de mercado, ao que lhe foi interposta
uma acção que mais tarde perdeu em tribunal, levando-o a uma falência
injusta por uma indemnização que ultrapassava largamente aquilo que se
poderia chamar "astronómico", "pornográfico" e "faraónico"... enfim a
(in)justiça portuguesa, já na altura fazia mazelas...
Mas voltemos a esta magnífica quinta que também tem muitas histórias para contar...
A sua história começa em meados do século XVIII, quando era conhecida
por Quinta de Santo António (provavelmente pela proximidade do convento
com o mesmo nome e já aqui retratado), e pertencia a Manuel da Silva
Colaço, a estrutura resumia-se então a uma quinta e um pequeno aglomerado de casas.
Foi adquirida em 1760 por Luís Garcia Bívar, e mais tarde revendida a
Francisco de Azevedo Coutinho, que por sua vez a transacciona em 1779, a Luís Rebelo Quintela, que era juiz e
desembargador dos Feitos da Coroa e da Fazenda da Casa da Suplicação,
tio do primeiro barão de Quintela.
Por sua morte, a propriedade foi herdada pelo 1º Barão de Quintela, pai do conde de Farrobo, que aqui instituiu o morgadio dos
Quintela, agregando-a às suas propriedades, evitando deste modo as
dispersão das mesmas.
Em 1835, Farrobo empenha-se em ampliá-lo e
embelezá-lo, não se poupando a esforços financeiros, para da melhor
maneira, lhe dar o fausto e conforto digno da mais ilustre casa real.
Para isso contratou (provavelmente) o arquitecto Fortunato Lodi, que
além de trabalhar a sua traça, proviu-o de soluções visionárias e
práticas que faziam deste imóvel um exemplo de "arquitectura verde",
desde as caves de armazenamento, que eram autênticos "frigoríficos
industriais", tal como as águas residuais eram devolvidas ao rio Tejo
por canais que as filtravam, minimizando assim o impacte ambiental,
também a generosa fenestração garantia ao longo de todo o dia a melhor
iluminação, inundando de luz todo o seu riquíssimo interior.
Os interiores foram decorados pelos melhores artífices de então,
tendo as pinturas e decorações pictóricas sido da responsabilidade António Manuel da Fonseca, um mestre pintor protegido por Farrobo.
Uma vez que Farrobo era um grande entusiasta e promotor do teatro, aqui
instalou uma réplica da sala do S. Carlos, onde actuaram grandes
artistas da época e levaram a cena várias óperas e peças que fizeram
furor.
A quinta era provida de uma adega, cavalariças, uma capela em estilo neoclássico, um enorme poço forrado a azulejos, e um pombal, que
mantinha funcionais as comunicações mais urgentes.
O seu destino altera-se em 1869 pela morte de Farrobo, sendo levada à
praça em 1874 e arrematada por cento e doze contos de réis por um
fidalgo espanhol, o conde de Torres Novais, que a mantém até 1890,
quando é novamente vendida em hasta pública por apenas 12 contos de réis
a D. Maria Antónia de Menezes Corrêa de Sá.
Para combater a crise filoxérica, o vinhedo é em 1893, replantado com
bacelo americano e em 1895, aqui é instalado a titulo de empréstimo ao
patriarcado de Lisboa, um seminário para seminaristas principiantes,
tendo albergado quarenta alunos por um curto período de um ano.
Pelo falecimento de D. Maria Antónia e por esta não ter
descendência, a quinta é herdada em 1933 pelo seu sobrinho, Artur de
Menezes Corrêa de Sá, 2º visconde de Merceana, que já aqui tinha
nascido.
Durante o período da segunda grande guerra são recebidos na quinta exilados belgas, que neste local encontraram uma justa paz.
Foi em 1957, generosamente doado à Caritas
que lhe faz ainda algumas obras de manutenção, chegando esta a apresentar em
1970 à C. M. de Vila Franca de Xira, um projecto de conversão para
colónia de férias, que nunca foi levado avante.
Em 1974, após o 25 de Abril, o palácio foi completamente e
brutalmente saqueado, por supostos empreiteiros que o desmontaram,
retalharam e venderam em peças soltas... sem que nada, nem ninguém
tivesse sequer feito uma queixa ou mexido uma palha... poder-se-ia dizer que foi um roubo do Farrobo...
Uma vez mais a tutela da propriedade foi transferida, e pertence desde 1980 à Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira que até agora nada fez para a rentabilizar ou para a revitalizar...
Sei que seria um enorme investimento, recuperar o palácio com o mesmo
esplendor que noutras eras teve, no entanto se começassem pelo
cultivo da propriedade, talvez com tempo e mais dedicação, se conseguisse
realizar de novo um sonho, digno da obra e trabalho de quem um dia o idealizou...
Mais post ruinoso e cheio de arte. Parabéns Gastão!
ResponderEliminarHavemos de descobrir em que quinta é que está o retábulo da capela.
Um abraço.
Que belo post e obrigado por nos dar a conhecer este palácio. A maioria das pessoas conhece a história do conde Farrobo e das suas festas fabulosas. O seu palácio ali em Sete Rios com um teatro privativo, o Tália, também é do conhecimento das pessoas medianamente cultas em Portugal, mas este edifício poucas pessoas sabem da sua existência e ainda bem que o Gastão o trouxe para a praça pública, denunciando o seu abandono.
ResponderEliminarNão me lembro de muitos palácios com esta grandeza feitos no Século XIX. Talvez o de Estói, no Algarve, mas esse já tem muitas obras do início do Séc. XX
É um belíssimo palácio que podia ser adaptado a hotel, turismo de habitação ou porque não museu.
Um abraço grande
Incrível salto seu blog, junte-se como seguidores e que também temos um site dedicado a exploração urbana. Saudações.
ResponderEliminarObrigada por todos os posts magníficos.
ResponderEliminarApesar de não comentar normalmente, não deixo de o seguir e apreciar. Há dias fui ao Santuário do Sr Jesus da Boa-Morte, e depois de uma vilta por aqueles montes e deparei-me com estas ruínas que identifiquei por já o ter visto aqui.
Sou professora na Un Senior D. Sancho I, em Almada, de Arte, Cultura e Património, (temos uma página no facebook com este título) e trabalho com este tema desde 1975. Por isso as suas apresentações me são tão úteis e interessantes. Também sou uma grande apreciadora de Fotografia e as suas são excelentes.
Muito obrigada
Natália Pinto
nataalentejana@gmail.com
Olá Gastão,
ResponderEliminarDescobri esta preciosidade numa das minhas escapadinhas de fim-de-semana... Vi-o ao longe pela janela e quis ir ver de perto... Quando vi a entrada secundária, achei que este edifício tinha uma história, contornei e assim que vi a entrada principal fiquei apaixonada e quis saber a sua história, pesquisei e encontrei este post. De facto estas paredes tem muita história e confesso que não fiquei nada surpreendida que estivesse em mãos de alguma entidade que não soubesse dar-lhe a espectacularidade que teve outrora, tenho muita pena que este, e outros edifícios que fazem parte da nossa história estejam neste estado, podendo ser convertido em outras coisas dignas deles. Sou licenciada em História, mas trabalho em turismo há vários anos e quando vi este palácio, antes de saber o que era já se erguia todo um projecto na minha cabeça. Tenho o conhecimento, tenho o know-how, mas falta-me o essencial, capital financeiro. É um projecto de milhões, mas de fácil retorno... Espero que algum dos nossos magnatas vejam o mesmo que eu vi e que lhe voltem a dar toda a grandeza digna dele.
Sou apaixonada por história e fiquei deliciada com estas descrições.
ResponderEliminarEntristecida por mais um cenário de vandalismo!! Meu Deus !!!!
Talvez apareça alguém que, com capital e boas ideias, lhe dê o destino que bem merece!
Oxalá não seja tarde demais...
Muito boa descrição, sucinta, para tão longa história e clara. Parabéns
ResponderEliminarPasso por este monumento todos os dias a caminho de casa e não lhe conhecia a história pois não sou da terra... Agradeço este magnifico post!! Todos os dias me dói a alma imaginar o que teria sido e vê-lo como está! E existem tantas raridades por estas terras nas mesmas condições!! o que é verdadeiramente de lamentar pois tratam-se de edifícios ricos de tanta história como de riqueza em si e por tal vandalizados... É a sociedade que temos em que tudo o que é velho não serve para nada (pessoas e bens...)
ResponderEliminarObrigada pela publicação. Conhecer o belo que nos pertence a todos é um passo mais no caminho certo. O abandono a que está entregue corta o coração. Não será fácil ao proprietário atual lidar com este desafio, mas desde 1980 poderia ter encontrado aliados na solução, até porque, mesmo neste estado, esta propriedade dá certamente muita despesa.
ResponderEliminarGostei muito de saber o que aqui se contou. Resta-me fazer a visita, pois tão próximo da minha terra só hoje fiquei a conhecer.
ResponderEliminarFelizmente cresci ao lado deste palácio toda uma vida onde o meu bisavô trabalhou no palácio,o meu avô vou o Palácio ser desmantelado e roubado a pouco e pouco ainda esta semana vimos pessoas a roubar ferros das escadas ei de ter os meus filhos e netos vivos e nunca chegar a veste este monumento de pé infelizmente todos os dias caem mais bocados se alguém quiser vir visitar o palácio podem falar comigo eu abro-vos a porta da minha casa que tem a entrada principal para o palácio bem haja a todos e ao autor do artigo
ResponderEliminarOlá boa noite, estou a fazer um projeto de dança no património cultural do concelho de vila f xira e vamos trabalhar/habitar estes edifícios em ruinas através de um programa de artes da câmara municipal. Gostaria de saber se sempre é possível contactar com alguém que possa abrir a porta do palácio e falar connosco?
EliminarMuito obrigado pela partilha.
ResponderEliminarDe facto é um imóvel com imenso interesse e só não é reparado, porque não está em Lisboa, dava mais um excelente hotel...
Aceite um abraço,
André Lopes Cardoso
Muitos, muitos parabéns! Acabámos de descobrir o blogue e adorámos o fantástico trabalho desenvolvido! É excelente! Muitos parabéns! Continuação de um excelente trabalho. Por cá continuaremos
ResponderEliminarMuito obrigado pelo trabalho apresentado.
ResponderEliminarTantas vezes passei ao lado do palácio do Farrobo e desconhecia grande parte da sua riqueza histórica. Obrigado pelo trabalho que desenvolveu. Será seguramente muito útil para todos (as). Um dia destes numa das minhas caminhadas, percorri uma estrada de terra batida, nas redondezas do palácio, no sentido de Vila Franca de Xira. É uma estrada sem saída e que desemboca numa edificação tipo pombal ou moinho, com uma vista maravilhosa sobra a cidade e a Lezíria. Disseram-me que o mesmo era utilizado pelos capatazes da quinta do Farrobo para vigiar desse ponto alto e abrangente, os trabalhadores na sua faina. Não sei se confirma o que descrevi? Posso enviar uma foto se achar conveniente.
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