quinta-feira, 19 de maio de 2011

Bairro da Fontaínhas / Capela e Fábrica do Carvalhino - Porto

Cada vez que visito a "Invicta Cidade", sou assolado por várias emoções... fico com uma secreta inveja das condições naturais e geográficas, do património histórico, do ambiente social e sobretudo do romantismo que esta urbe nos transmite.
O Porto, além de ter contribuído para dar nome a Portugal, o que só por isso deveria estar no coração de todos os portugueses, é também a cidade com a arquitectura mais erudita que conheci em território nacional.... infelizmente boa parte dessa arquitectura encontra-se em estado de ruína.
Comecei a conhecer o Porto e as suas ruínas quando me aventurei por aqui no Verão passado, de certa forma  encontrei um paraíso no ponto de vista ruinoso, pois infelizmente há mais ruínas por metro quadrado do que em qualquer outra cidade deste País à beira mar abandonado.
Gosto de conhecer os monumentos das terras que visito, tal como os museus, igrejas, palácios e vias públicas de relevo cultural, no entanto ainda não tive tempo de conhecer essa parte, já que as ruínas absorvem todo o tempo que aqui passo consumindo toda a minha disponibilidade... infelizmente a pesquisa histórica é-me mais difícil por não conhecer tão bem a sua toponímia e os locais por onde passo, por isso tenho várias reportagens  à espera da respectiva documentação e assim as finalizar, mas hei-de encontrar aliados que me ajudem nesta causa.
Esta reportagem irá retratar três temas diferentes, mas indissociáveis; a capela e a Fábrica de Cerâmica dos Carvalhinhos,  e o Bairro das Fontaínhas, convivem todos no mesmo espaço e repartem entre si boas histórias que contribuíram para a posteridade deste bairro.
Comecemos esta visita pelo Bairro das Fontaínhas, um autêntico miradouro na sua mais verdadeira expressão, e que me deixa alvitrar sobre a etimologia desta linda palavra. É daqui que sem dúvida se pode desfrutar a mais bela paisagem que o Porto tem, podendo num só golpe de vista ter a percepção de quase toda a paisagem urbana desta cidade.
O Rio Douro e os seus "barcos rabelos" que navegam atarefadamente a passear turistas, a Serra do Pilar e Vila Nova de Gaia, a praia fluvial do Areeinho,  a Avenida Gustavo Eifel serpenteando a margem direita...  pode-se também daqui observar 4 das 6 pontes que ligam ambos os lados. A exposição solar é total e completamente aproveitada, pois o astro rei brinda este bairro desde o primeiro ao último raio da sua graça.
É também neste local onde bate mais puro coração do bairrismo portuense, daqui parte no dia 24 de Junho  a marcha de S. João, que é a maior festa tradicional da Invicta Cidade, rivalizando em folia popular com as vitórias do FCP na Avenida dos Aliados.
Deve o seu nome  às inúmeras linhas de água que correm nas veias da sua íngreme encosta, assemelhando-se a pequenas cataratas furiosas empenhadas em encharcar quem quer que ali se aventure.
As Fontaínhas nasceu como bairro operário, e ali começaram por se instalar os primeiros habitantes nas características ilhas. São vilas operárias da era industrial, habitações pequenas e contíguas, como que pequenos apartamentos geminados e unidos por um corredor comum,  por vezes servidas apenas por uma casa de banho, são também nichos de confraternização e fortes núcleos familiares. Estas comunidades eram essencialmente a força de trabalho das unidades fabris que proliferaram nestes bairros periféricos e criaram a cintura industrial.

Levando em conta a proximidade de toda a vizinhança, formaram-se comunidades com fortes laços cimentados ao longo de várias gerações o que originou o puro bairrismo,  tornando o ambiente social num saudável convívio diário. Tendo em conta que este é um factor essencial para os índices de qualidade de vida, aliado ao clima que desfrutam e vista que avistam, chego a pensar que aqui devem viver os portuenses mais afortunados, sem sequer darem conta do privilégio que todos os dias têm ao acordar neste cenário encantado...
Em 2000, houve infelizmente uma derrocada que condenou parte deste património, tendo sido interditada a Escarpa das Fontaínhas, devotando ao abandono 50 habitações que agravaram a sua situação com um violento incêndio que impiedosamente as consumiu e reduziu a escombros.
Era aqui situada a Quinta da Fraga e que foi  adquirida por frades jesuítas, onde construíram uma capela dedicada ao Senhor dos Carvalhinhos, que se encontra hoje num intolerável estado de ruína, tal como todas as estruturas circundantes. Após a expulsão desta ordem monástica do solo nacional em 1761, e até à extinção das ordens religiosas em 1834, não consegui apurar os quase setenta anos de interregno da história deste triste monumento, poderá ter sido  cedida a outra ordem ou  então foi administrada pela paróquia, já que a data da sua venda se situa perto da anti clerical medida de Mouzinho da Silveira.
Por ter sido publicado um anúncio no jornal "A Borboleta dos Campos Constitucionais",  número 24 de 9 de Junho de 1821 , que assim publicitava:  "... alugão-se para o S. Miguel do corrente ano as Casas com sua Capella e Quinta do Carvalhinho para baixo do Passeio das Fontaínhas, junto ao Rio Douro desta Cidade do Porto, as quaes contém accomodações para uma família numerosa..." , podemos por isso concluir que estaria devoluto por esta altura...
Uma vez que temos uma data anterior à segunda entrada dos jesuítas, em Agosto de 1829,  e sabendo que estes foram novamente expulsos aquando o decreto de Maio de 1834, podemos alvitrar que se tenha mantido desocupada desde a primeira expulsão e procurava um novo dono.
A capela terá sido comprada em 1840 por Thomaz Nunes da Cunha e António Monteiro Catarino, que ali fundaram a Fábrica de Cerâmica Carvalhinho. O negócio naturalmente se expandiu, para dar resposta ao mercado e se poderem afirmar como indústria.  Em 1853 foi ampliado todo o edifício e repensada a sua estrutura fabril, o que certamente contribuiu também para o crescimento de toda a população deste bairro, como se pode corroborar pela ilha que lhe está adossada.
Tendo de fazer frente à forte concorrência das suas congéneres francesas e inglesas, houve a necessidade de se modernizar com novos equipamentos para poder acompanhar as exigências do mercado. Para isso, em 1906 a fábrica é novamente ampliada e renovada a maquinaria, então a produção atingiu um nível de qualidade e quantidade que impulsionou exportação para o Brasil e países africanos, o que a fortaleceu como empresa de cerâmica.
Ao longo da sua vida, conquistou vários galardões de excelência pela qualidade dos seus azulejos, as peças que ali foram fabricadas, são hoje valorizadas e procuradas por aficcionados coleccionadores. Mais tarde, em 1923, associou-se à Fábrica das Devessas e imigrou para Vila Nova de Gaia, deixando para trás uma enorme estrutura devoluta...  a sua saga industrial continuou, expandiu a sua produção e associou-se à Fábrica de Sacavém,  em Maio de 1974 foi vendida em hasta pública e em meados dos anos 80 teve o seu golpe de misericórdia...

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