quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A Casa da Praça - Frazão


A  Casa da Praça, há muito que me chamou a atenção, a sua história e arquitectura era um chamamento a este vosso leal ruinólogo, que uma vez mais se fez acompanhar pelo paciente José João Roseira e pelo sacanideo Joaquim, que fez mais uma das suas graças... era uma visita adiada que foi finalmente cumprida.
A sua traça solarenga, distingue-a das sua congéneres pela singularidade da fachada, tornando-a num raro exemplar de arquitectura barroca.
Foi crismada pela sua proximidade da praça da igreja matriz, onde os pregões judiciais punham bens à venda em hasta pública, ou "postos em praça" .
Pertenceu durante várias gerações à ilustre família Álvares,  cujo nome e por vias de casamento foi adaptado posteriormente a Alves Barbosa, a quem ainda pertencia há poucos anos atrás.
 
Embora as várias fontes que consultei transportem a sua construção para o século XVIII, avaliando a sua estrutura sou levado a ponderar que é de uma época mais recuada, seguramente do século XVII, quiçá, até século XVI.
A austeridade e simplicidade da sua fachada contrasta com os elementos decorativos do barroco final, além de que a pedra de armas que exibe no frontão, foi atribuída a Gaspar Álvares Barbosa em 5 de Março de 1799, logo este é um dos últimos elementos a ter sido introduzido, tendo a fachada sido por esta altura embelezada.
Nesta pedra de armas esquartelada estão constantes os brasões Álvares de Andrade, Barbosa (com representação invertida), Moreira e Meirelles.
O facto das pedras de armas não serem coloridas, além de estarem expostas às intempéries da erosão, dificultam por vezes a sua identificação levando-nos a errar a sua interpretação.
Também o uso do mesmo brasão por diversas famílias pode criar algumas confusões, além da corruptela de alguns nomes que vão sofrendo transformações através dos tempos nos podem confundir.
As  portas, ao nível do primeiro piso que ladeiam o portão principal, foram outrora servidas por escadas que lhes dariam uma lógica utilização, uma vez que estas portas não são sacadas e a queda seria dolorosa. A sua existência só se justificaria perante esses elementos que se perderam.
Também a capela é de construção posterior à do solar, toda a ornamentação é do período final do barroco e já com elementos neoclássicos, sendo a ala mais elaborada deste edifício.
A capela foi consagrada a S. Paulo, é um espaço onde se ainda respira o ambiente de santidade que o tempo não conseguiu apagar.
O que resta do retábulo testemunha o esmero e dedicação que esta família tinha à Santa Igreja. Os riquíssimos pormenores de talha não necessitaram do acabamento em folha de ouro tão característico deste período,  para serem uma autêntica obra de arte.
O coro-alto é cercado por um lindo parapeito de tábuas apodrecidas e onde ainda resta uma varanda que certamente serviu de púlpito. Este cenário é encimado por uma clarabóia que vai iluminando, com ajuda de S. Pedro, um depauperado interior...
Ao lado do acesso a esta varanda, houve em tempos uma sacada que hoje se encontra semi-emparedada e transformada em janela, de onde o intrépido Joaquim protagonizou um salto acrobático cumprindo um voo não planeado, e aterrando cirurgicamente em cima de uma tábua que amorteceu tão magnífica queda de quase 5 metros, saindo ileso... foi um milagre de S. Paulo, com uma cunha de S. Francisco... ou (para os agnósticos) todos os cães têm sorte... ou ainda... Joaquim não sabe voar, iô!
Ao transpormos o portão, deparamos-nos com um pátio em claustro completamente tomado por uma selva de silvas, tornando este lugar num inóspito espaço.
Todo o interior foi alterado por um projecto inacabado que iria transformar este local numa moderna unidade hoteleira. O interior do solar, já pouco tem de original... apenas as rudes e pesadas lajes de granito mantêm a dignidade de outrora.
Desde a introdução de placa, a paredes de tijolo e muito betão, tudo foi utilizado para transformar e modernizar este malfadado solar... entretanto e antevendo a crise, os investidores pararam as obras deixando esta casa desfigurada e inacabada.
Como purista das boas reabilitações, que devolvem a dignidade a tesouros de arquitectura, fiquei arrepiado com tamanho crime de lesa património, no entanto, e sabendo que o futuro destas casas passa pela sua rentabilidade.
A conversão de uma ruína, torna imperiosas, medidas de adaptação a uma realidade actual, se é que se quer levar avante um projecto desta índole e envergadura, desculpando assim os incautos investidores e valorizando o seu trabalho.
Mas vamos agora debruçar-mo-nos sobre a história desta casa que muitos episódios históricos testemunhou.
 
Foi aqui que esteve instalado, pelos cargos que os seus proprietários ocuparam,  a 4ª Companhia dos Voluntários do Batalhão Nacional (D. Maria II), e anteriormente um núcleo da Companhia de Ordenanças, que tinha por comando um Oficial Superior da Casa. Pertenceu à Casa,  a Administração estatal do negócio do tabaco. Funcionou aí um Julgado dos Órfãos, bem como uma delegação de cobrança de décimas prediais de bens de raiz, afectos ao concelho de Refojos
O proprietário mais recuado que consegui encontrar foi Manuel Álvares, cofreiro e juiz dos órfãos, sub-contratador dos negócios do tabaco e senhor desta casa.
 
Uma vez que estes cargos eram hereditários, este foi o primeiro de uma linhagem que lhes seguiu os passos como bom servidor da coroa e do público.
Seu filho Manuel Álvares da Praça, fica conhecido já com o nome desta casa, e casa com Catarina Barbosa, iniciando assim o bom nome desta família, gerando quatro filhos, em que se destaca o rebento, Gaspar.
Gaspar Álvares Barbosa, nascido em 04-12-1734, foi um militar e homem de negócios, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, com uma tença anual de 12.000 reis e Capitão de Ordenanças na Freguesia e Honra de Frazão (30.4.1787).
O seu 3.º filho, Gaspar Alves ou Álvares Barbosa fez parte do 2.º regimento de Infantaria do Porto,  que tomou parte contra a Revolução Francesa, nos Pirenéus e na Catalunha, aliados a Londres e Madrid. Gaspar foi também um grande negociante na feitoria Inglesa no Porto, tendo acumulado uma avultada fortuna. Por ter falecido sem descendência, esta foi herdada pelo seu pai, que lhe sobreviveu apenas por mais 10 anos.
Seu filho Luís, Grande Comerciante Portuense com matrícula na Real Junta do Comércio(1797), Vice-Cônsul de El-Rei das Duas Sicílias em Vila do Conde e Cavaleiro da Real Ordem Militar Constantiniana de S.Jorge (1809), incompatibiliza-se com o pai, chegando a expulsá-lo da casa. Pela morte de ambos é Manuel Álvares Barbosa, nascido em 1734, e Bacharel em Leis pela Universidade de Coimbra, que toma toma conta do destino desta casa e dos negócios da família.
Seu filho Manuel Álvares Barbosa Júnior, nascido em 1815, será o último capitão da praça que casa em segundas núpcias com uma senhora de "baixa condição", tendo gerado nove filhos, mais três outros filhos naturais. Faleceu em   30-09-1897 deixando 8 filhos 35 netos e 14 bisnetos.
Ficou recordado pelos seus excelentes serviços públicos nas qualidades de deputado eleito, administrador do novo concelho de Paços de Ferreira (1836), vereador municipal em 1841, Juiz ordinário em 1842 e Presidente da Câmara em 1845.


Um grande OBRIGADO, à Sra. D. Ana Alves Barbosa, e ao meu bom amigo José João Roseira, que tiveram a paciência de me aturar neste dia e me deram uma valiosa ajuda.

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