sábado, 28 de janeiro de 2012

Porto - A invicta cidade.

Desde sempre que quis conhecer a Invicta Cidade. A sua longínqua fama e a sua longa história, a par da quantidade e qualidade dos seus monumentos, tornam-na num destino obrigatório para qualquer português.


 
As suas ruas, edifícios e tradições , faziam parte do meu imaginário de criança, era quase como ir ao estrangeiro...


 
Sempre que lá ia, era de raspão... a interminável viagem, consumia todo o tempo, além da “paciência de Jó” que cada quilómetro exigia... 


 
Quando chegávamos já o Sol ia alto e estava já esgotado da cansativa viagem... e nunca sobrava tempo para visitar os museus e monumentos...
 
Contentava-me com algumas vistas panorâmicas dos locais mais turísticos e a cereja no topo do bolo era passar pela Ponte D. Luís... na volta para casa...


 
Mais tarde e sempre em visitas relâmpago, voltei ao Porto algumas vezes em trabalho, aguçando ainda mais a minha curiosidade, que a cada esporádica visita se tornava proporcional à distância de casa, esta, era sem dúvida o maior entrave.


 
Num desses trabalhos, contactei um colega de profissão e tive o privilégio de o ter como cicerone que me guiou pelas ruas da Invicta Cidade.
Após um demorado passeio pelo centro histórico em que fui um autêntico turista, senti pela primeira vez o Porto, já com a maturidade necessária para tirar partido de tão vislumbrante cenário, e acabámos a noite a fazer um brinde com um cálice de Ruby no Magestic... finalmente apaziguei a minha curiosidade.
 
Quis entretanto o destino que procurasse ajuda para o Ruin’Arte nessa cidade, e conhecesse a maior aliada que este projecto poderia ter...
Hoje vou lá pelo menos uma vez por mês, e tenho o Porto no meu coração, não só pelas experiências que lá vivi, como a sua magnífica beleza e esmerada arquitectura que testemunha muitos anos de cultura e boa fortuna.


 
O Porto pode-se comparar em majestade a qualquer outra cidade europeia, tem edifícios de grande qualidade arquitectónica de todos os períodos da nossa história, aqui se traçaram e construíram os melhores projectos do País...
 
Infelizmente também se pode comparar a outras tristes cidades como Havana, onde a ruína e a desgraça vieram para ficar...
É raro ver no centro do Porto uma rua sem ruínas...e que ruínas...
No Porto podemos encontrar palácios, quintas, chalets e moradias, fábricas, conventos, capelas, as tão conhecidas ilhas operárias que caracterizam alguns bairros, ruas inteiras em estado de ruína, o que me consome a alma e muito tempo em ruinosas incursões pela cidade... espero um dia ter tempo para visitar os monumentos...
O Porto tem um património arquitectónico ímpar em Portugal, nenhuma outra cidade tem uma arquitectura de tão boa qualidade e em tão mau estado de conservação, o que o torna incongruentemente num paradoxo de riqueza e pobreza.
O Porto era conhecido pela sua vertente industrial, que lhe dava força económica, cultural e social.
 
Com a falência de muitos pólos industriais e consequente dissipação de fortunas e força de trabalho, a par com uma imigração da juventude e de uma má gestão urbanística continuada, entre outros flagelos que o conduzem diariamente e rapidamente a uma derrocada eminente...
 
Há também o excesso de construção nova e a especulação imobiliária, que contribuem para o abandono do centro da cidade.
 
Foi também no Porto que encontrei o maior apoio  pela parte de blogues  e publicações virtuais, pelo menos na única iniciativa que tive nesta cidade, numa exposição no Palácio das Artes.
A atenção que me prestaram, foi em proporção muito maior do que em Lisboa, o que corrobora haver uma grande simpatia pela causa do património... espero vir a expor novamente na invicta cidade...
 
Tenho também tido algum apoio de algumas entidades que sempre me ajudaram na pesquisa histórica, mas nem sempre consigo apurar todos os factos necessários para contar a epopeia de cada  edifício, o que me tem coibido de os colocar neste espaço.
 
Tal como em todos os meios urbanos a maior parte do património edificado é anónimo, sem grandes protagonismos políticos e sociais, embora nem por isso desinteressante, pois é o seu conjunto que faz a história e ambiente de cada povoação.
 
Por esse motivo, e em vez de tentar contar a história de cada vedeta desta ruinosa e portuense epopeia, pensei em contar a história de toda a cidade  na sua vertente urbana...
Para isso contamos com a generosidade de um portuense de gema que gentilmente cedeu os seus escritos para ilustrar este espaço...
 

Pré-história

Os documentos históricos mais antigos são posteriores à invasão romana, no entanto há referencias da presença humana, desde tempos pré-históricos, no local onde agora se eleva a "Antiga mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto", local esse denominado Cale (civitas Cales, civitas = cividade Cales = rua), segundo alguns historiadores. 
 
A existência de vestígios pré-históricos há muito estão assinalados na área demarcada da cidade e da região do Porto (antas, castros, citânias).
Estes vestígios localizam-se principalmente na zona ocidental, actual zona costeira da cidade.
Bem defendidos pelas condições naturais e por fortificações artificiais, os povoados refugiavam-se em elevações do terreno. Simultaneamente, com a proximidade das linhas de água, do Rio da Vila e eventualmente do Rio Douro, tinham toda a subsistência necessária.
Há mesmo referências a um «castrum novum de Portucale», identificável com o Porto.
Romanização
Com a conquista peninsular pelos romanos, a região assiste a profundas mudanças, quer a nível da organização espacial, quer a nível económico, religioso e político.
O Morro da Sé teve particular importância por ter sido a origem do nascimento do núcleo urbano. A Sé era o centro da actividade romana e o seu ponto estratégico mais importante.
A expansão da cidade foi até à zona da Ribeira, direccionando-se para a zona de união entre o Rio da Vila e o Rio Douro. Estes rios foram utilizados como vias de ligação, entre os seus núcleos mais desenvolvidos, alguns deles separados pelo próprio rio. 
 
Tais vias estruturantes de ligação foram alargadas a novos projectos, como é o caso do trajecto mais importante para os romanos, de Cale para Braga.
Durante três séculos a romanização abrangeu todo o território, através do processo de multiplicação dos núcleos de povoamento.
Devido ao carácter portuário e de navegação, Portum, conjuntamente com a referência à velha Cividade, Cale, esta zona foi denominada pelos romanos de Portucale. Uma vida comercial e o desejo de descobrir o desconhecido prevalecia entre o povo pioneiro desta época.

Invasões
Ao longo dos séculos foram vários os seus governantes, citando-se entre outros os Suevos, os Godos, e mesmo os Mouros que por aqui passaram até ao reinado d’El Rei D. Afonso I, de cognome o Católico.
No início do século V, surgem modificações que marcaram fortemente o curso dos acontecimentos. As invasões bárbaras acabam com o Império Romano e causam guerras violentas entre povos, onde predomina a destruição.
Os povos além Reno, Suevos e Vândalos, instalam-se na Península, de forma semelhante ao povoamento castrejo.
Os Suevos definiram, num curto reinado (com capital em Braga), Portucale como sede episcopal. Os Suevos depressa são absorvidos por outro povo bárbaro, os Visigodos. Assiste-se à deterioração do sistema administrativo romano e à apropriação dos poderes por parte da classe dos guerreiros. 
 
Com a monarquia visigótica a importância de Portucale não pára de aumentar. Mas pouco mais de um século após a conquista dos suevos, a monarquia visigótica atingia o seu fim. 
 
Um exército muçulmano, desembarca, em 711, no sul da Península Ibérica, e em rápida avançada chega à região do Douro. Mas a ocupação do norte seria efémera, e as regiões de Bracara (Braga) e Portucale renascem. 
 
Uma personalidade marca este período da história do Porto, o conde Vímara Peres que, mandado por D. Afonso I, foi a peça fulcral no reordenamento e povoamento do Porto.

Edificação da nova muralha sueva e consequente dinamização do Burgo

D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques, concebeu ao Arcebispo Dom Gonçalo Pereira o poder para mandar edificar a circunvalação sueva, descrita como CASTRUM NOVUM SUEVORUM entre 1108 –1110.
A construção da nova muralha veio transmitir segurança aos novos habitantes e a área do burgo foi rapidamente ocupada, impedindo a fixação de outras pessoas por isso iniciaram a ocupação da periferia do burgo.
Depois de ter sido nomeada bispado e ter sido entregue a D. Hugo o burgo, este foi sempre crescendo, quer dentro dos muros, quer nas imediações da cidade. A crescente importância económica do burgo episcopal começou a despertar a cobiça dos poderosos e dos reis. 
 
As lutas começam e as disputas entre reis e bispos, pelo controlo dos recursos da cidade, nomeadamente dos rendimentos da actividade portuária, que permanecem até ao reinado de D. João I, quando acordou com a Mitra a passagem definitiva do senhorio. 
Posteriormente D.Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, doou ao Bispo D.Hugo o Couto (terreno).
Este domínio do Bispado iniciou um surto de progresso para a terra. 
 
O poder eclesiástico trouxe de certa forma inúmeros interesses para a terra, bem como valores morais tão essenciais para a génese do Povo.
Consequentemente de 1120 até 1400 houve um enorme desenvolvimento, interesses e conflitos para a cidade, entre a População e a Igreja.
É feito o Condado Portucalense por D. Afonso Henriques, que dá nome a Portugal e define as suas fronteiras. Portucale dá nome a Portugal, por ter sido uma cidade que sempre foi uma fronteira à ocupação por parte de qualquer povo.
A muralha fernandina foi mandada edificar por D. Afonso IV, entre 1336 – 1364.
Entretanto a cidade continua a crescer e é no reinado de D. Afonso IV que é mandado edificar uma cinta de muralhas destinadas a proteger o pequeno burgo, esses muros ou muralhas que circundavam e defendiam o velho burgo portucalense existiam ainda no século XVII, da sua constituição faziam parte as portas: a Porta dos Carros, de Santo Elói, do Olival, da Esperança, do Sol e a Porta Nobre . 
 
No seu percurso a porta principal era o Arco de Vandoma, situado a nascente do citado burgo e a encostar no largo da Sé e na rua Chã, daí inclinava o muro monte abaixo, ladeando as escadas das verdades onde se encontrava a Porta das Mentiras, aqui o muro torneava o Alto do Barredo e angulava o rio da vila que desaguava a descoberto na rua de S. João, que hoje em dia ainda conserva o mesmo nome, rasgando o arco de Sant’Ana das Aldas e o arco de S. Sebastião onde recurvando fechava o circuito do muro, muro este que é mais conhecido por Muralha Fernandina . 
 
Cedo o Porto demonstrou o seu grande potencial na construção naval, quer a nível industrial, quer comercial. A esse potencial não são alheias as ligações inquebráveis que o Porto possui com o Douro e com o Atlântico.
 
A partir do século XIV foi o Porto o principal centro português de construções navais. Envolto nos enredos do mar, lançado na imensidão dos oceanos em busca de novas paragens, navios, marinheiros e população integraram interesses e esforços de muitas formas e, logo aquando da expedição à conquista de Ceuta, o Infante D. Henrique, nascido na Invicta, ali organiza uma formosa esquadra que levou a juntar-se ao rei que esperava em Lisboa antes de partirem par o Norte de África.
 
E foi por tal empenhamento que os portuenses receberam a alcunha de "Tripeiros", pois segundo contam, o comprometimento do povo levou a que fornecessem as naus e galeras com as carnes ficando apenas as tripas como alimento dos que por cá ficaram.
 
Como louvores dos feitos prestados, muitos foram os portuenses que inscreveram os seus nomes na história. Ao longo da história o Porto foi sempre muito cobiçado pelas riquezas, privilégios, autonomia e tradição que o caracterizavam, mas com o Foral Manuelino de 20 de Junho de 1517 o Porto perdeu grande parte dos seus privilégios, sendo D. Manuel considerado o rei inimigo, que deu inicio à mesquinha, absurda e funesta política da centralização dos poderes e serviços. 
 
Contudo o povo portuense sempre honrou o seu carácter colectivo, através do seu espírito de independência e do seu amor à liberdade. Muito marcada pelo desaire do período filipino, é já no século XVIII que de novo atinge as alturas dos pergaminhos de cidade empreendedora. 
 
Renovando as indústrias correlativas derivadas das velhas actividades mercantis de cabotagem e longo curso. Mas o engrandecimento da cidade não resplandece apenas nas actividades comerciais, expandindo-se às artes, como é o barroco nasoniano marcado em alguns templos e palácios da cidade.
 
Uma das características deste estilo é o recurso à policromia e à exuberância das formas, bem como a conjugação de revestimentos a ouro, com a pintura e o azulejo criando ambientes de rara beleza.



Reestruturação Urbana da Cidade 1764-1818

Em 1755 o Porto é marcado por um terramoto que apenas provocou pequenos estragos, na sequência da reconstrução de Lisboa, a influência inglesa e a acção dos Almadas, trazem para a cidade um surto de engrandecimento admirável. 
 
Sobrecarregada com a crise da tecelagem, mas apoiada no comércio do vinho do Alto Douro, trazido rio abaixo e engarrafado no Porto, facto que se traduziu no nome pelo qual esse vinho é conhecido, a cidade vê aumentar ainda mais o seu núcleo populacional com colónias de ingleses e outros europeus que se estabeleceram e radicaram na cidade.
 
No século XIX o Porto é massivamente modernizado através de novas ideias, riqueza acrescida, força empreendedora, um deslumbrante escol de gente de saber, políticos, capitais e sobretudo a inegável força popular, afeita ao trabalho, resistente e ciosa dos seus pergaminhos de independência e liberdade.
 
Os portuenses intervêm repetidas vezes nos próprios destinos políticos da Pátria. Sofreram a ocupação dos invasores, não se aquietando na sua expulsão, retendo-lhes as ideias mais benéficas, não admitindo tutelas, defendendo-se com armas, vidas e bens.
 
Com uma determinação ímpar, a cidade foi crescendo, organizando-se administrativa, financeira e culturalmente, constituindo-se numa capital regional que ainda hoje é. Ao longo do século XX o cunho que a caracterizou sempre se manteve e hoje a cidade está populacionalmente estabilizada.
 
Dela partiram as primeiras acções republicanas, sendo simultaneamente um dos grandes pilares políticos e económicos do País. E ainda foi o pólo de crescimento industrial significativo quer internamente, quer nas regiões vizinhas. Assim falar do Porto é começar sem nunca conseguir terminar de relatar todos os seus feitos, tradições, costumes, belezas...
 
A cidade velha de séculos, contrastante com o fervilhar de actividades e ideias não se pode nunca destituir das gentes que lhe dão vida, carácter e cunho.
 
Gentes de linguagem marcada, sonora e garrida, trabalhadora e entusiasta, vibrante com seus ídolos desportivos, áspera e livre na crítica e jubilosa nos folguedos. O Porto congrega, cria, difunde densos cambiantes de contrastes, sendo por isto o símbolo portuguesíssimo de um progresso que não se envergonha do passado, mas nele sustenta o futuro.
 
Por tudo isto é considerada a mais imponente cidade do Norte merecendo a justa classificação de Património Mundial.
A reestruturação urbana da cidade foi enquadrada no plano de ordenamento da Junta de Obras Públicas, elaborado na 2ª metade do século XVIII, por João de Almada e Melo.
O conceito desta intervenção era encaminhar para o interior da cidade valências a nível patrimonial, económico e mercantil.
«O interior do burgo foi submetido a facilitar a ligação da Praça da Ribeira (antigo Portum) com a parte alta da cidade, utilizando a Rua das Flores, o Eixo quinhentista que flanqueava o vale do rio da Vila»
A reestruturação da cidade do Porto, foi feita com uma grande sensibilidade, respeitando a origem e o conceito da cidade. O traçado urbano foi feito com base nas portas do burgo, com um desenho radiocêntrico sendo coordenados por eixos transversais de ligação e algumas praças na intersecção de alguns arruamentos.
Compreende-se então uma necessidade de haver uma mutualidade da Cidade com o Rio, «que incluía a função panorâmica a alguns espaços urbanos, que é simbolizada pelos projectos da Praça da Ribeira e da Alameda das Fontaínhas e das Virtudes.

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