terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A Bataria da Raposeira - Trafaria

 
Esta foi mais uma ruinosa aventura que deveria ter começado quando visitei a Bataria da Alpena, sua tão próxima vizinha... só depois de fazer a devida pesquisa sobre essa desafortunada e desactivada unidade, é que reparei que a reportagem tinha ficado incompleta por ter falhado a Raposeira Pequena, pois fazem ambas parte da mesma linha defensiva e estão separadas por escassos metros...
Fiquei à espera de uma oportunidade para a visitar e ainda lá voltei mais duas vezes para melhorar as condições de luz... por a arquitectura deste local ser uma espécie de trincheira, ou estamos lá ao meio dia solar, ou há sempre uma fachada em contra-luz criando contrastes difíceis de resolver sem a ajuda do S. Pedro... acabei por decidir lá voltar numa terceira incursão e num dia nublado, aproveitando as nuvens para dar o impacto que estas imagens necessitam.
A Bataria da Raposeira, está situada no cimo do monte do mesmo nome, entre a Trafaria e Caparica, era uma unidade de artilharia que foi condenada pela extinção do serviço militar obrigatório e pela supressão do RAC (Regimento de Artilharia de Costa), acabando de vez com os seus tempos de glória.
Estas batarias foram erigidas em 1893 e foram idealizadas para defender a barra do Tejo e entrada de Lisboa, cruzando a linha de fogo com a bataria do Bom Sucesso em Belém... um investimento necessário para garantir a nossa soberania, que estava certamente escaldada com o infame Ultimatum imposto pelo Reino Unido.
A Bataria da Raposeira foi modernizada na Primeira Grande Guerra, e as peças hoje presentes foram actualizadas em 1940. Estava armada com três bocas de fogo Krupps de 15,2 cm, que disparavam projécteis de 45,3 Kg, com precisão até 20 Km de distância, e tinham uma cadência de quatro tiros por minuto.
Cada peça de artilharia pesava perto de 7.600 Kg e necessitava de uma equipa de 9 homens para ser manuseada, eram um chefe que estava encarregado de a disparar, e oito serventes que alimentavam as ávidas e famintas bocas de fogo.
Também foi nesta unidade militar que em 17 de Abril de 1901, se fez a primeira experiência portuguesa de TSF (Telefgrafia Sem Fios) em Portugal, levada a cabo neste local e o Forte do Alto do Duque, a uma distância de 4.300 metros.
Este quartel estava intimamente ligado à sua vizinha Bataria da Alpena, e ao BIRT (Batalhão de Informações e Reconhecimento das Transmissões), o primeiro apoiava-o como paiol, o segundo era o seu centro nevrálgico... todos foram desactivados pela reestruturação do exército em 1996 encontrando-se hoje abandonados, embora haja planos para estes locais, não consegui confirmar se irão avante...
Um dos planos que está esboçado para este local, é o "OCO - Ocean & Coastline Observatory" e foi galardoado com um prémio mundial, ao vencer o concurso Architecture for Humanity's Open Chalenge. Um importantíssimo galardão, que além do prestígio para a equipa de arquitectos, também o seria para Portugal, se o levasse a sério e a bom porto...
Após ter contactado o departamento de património do EMGFA, que é o seu legítimo proprietário, foi-me comunicado nunca terem ouvido sequer falar neste projecto... é caso para dizer... nada... que seja pelo menos coerente...
Por vezes é difícil compreender a desconexão que há entre os organismos cimeiros das altas hierarquias do estado... como é que há generais e autarcas regiamente pagos em que confiamos os destinos do País, que deixam chegar a este dramático ponto situações deste calibre...
Este espaço tem ultimamente sido aproveitado por jogadores de paintball e "mestres grafiteiros livres", que artisticamente têm deixado as suas indeléveis e selváticas marcas... talvez se tivessem ido à tropa, mostrassem mais respeito por um local que é um marco histórico da nossa nação...
Ouvi recentemente as declarações do general Loureiro dos Santos, que aconselha vivamente o governo da república a revitalizar o serviço militar obrigatório, alegando que os custos de um exército profissional é cinco a seis vezes superior... nada mais vil...!!! Uma afirmação que poderia ter sido dita de uma forma mais eloquente e com outro tipo de argumentação...
Sempre fui contra a extinção do serviço obrigatório, mas nunca por causa dos custos de manutenção... o insigne general alega apenas motivos pecuniários, poderia pelo menos disfarçar que queria apenas mão de obra escrava, e não uma escola de Homens... que é o que faz falta à sociedade!!!
No exército aprendia-se o que era o patriotismo, aprumo, responsabilidade, respeito, espírito de corpo... funcionava essencialmente como escola de sociabilidade, onde se ganhavam noções que hoje se perderam...
 
Era pelo menos essa a essência da tropa e o melhor que ela tinha e nunca a escravatura que começou a ser abolida por D. Sebastião, seguindo o Marquês de Pombal que exemplarmente também a legislou e foi finalmente extinta pelo Marquês de Sá da Bandeira!!! A tropa deve ser um serviço obrigatório para a toda nação, e não para servir os caprichos de alguns oficiais!!!
O tempo passado no serviço militar obrigatório deveria ser de pelo menos seis meses de recruta árdua, formando o carácter e o físico de cada um... e nunca  três meses de recruta e um ano de suposto serviço, às ordens de cento e oitenta generais e uns milhares de oficiais e sargentos que nada mais sabem fazer do que afagar os egos com medalhas e diplomas...
 
São na maior parte,  postos desprovidos de carácter e legitimidade, adornados por uma farda e um par de botas engraxadas... raras eram as decepcionadas excepções... foi pelo menos o que testemunhei durante o meu serviço... à pátria e pela pátria.
A tropa é a instituição mais nobre de um País, e deve ser um exemplo de bem servir, com orgulho e patriotismo sob uma bandeira e um hino exaltado em viva voz... servir a nação e dar a vida pela mesma é a forma mais nobre de viver e morrer, disso não tenho a mínima dúvida, e se pudesse algum dia escolher, gostaria de morrer em combate... mais que não seja pelo meu ideal... o nosso património em ruínas...
Infelizmente e nos tempos de hoje boa parte do património histórico detido pelas Forças Armadas está ao abandono, por falta de estratégia e por falta de interesse, o que me deixa perplexo, pois a "cagança" era o seu estandarte...
Se o exército foi reestruturado e o seu imenso património perdeu sentido, este deveria ser devolvido à nação e/ou às autarquias ou instituições que supostamente  serviu... seria pelo menos a forma mais nobre de dar continuidade à missão a que sempre se propuseram.

A lista de património a ser alienado por parte desta instituição, é mais uma vergonha da nação em que empenham a nossa história e legados para enriquecer alguns amigalhaços por ajuste directo, como se deu nalguns dramáticos casos, em que todos somos lesados.
Se as Forças Armadas, foram armadas para servir o país, agora que depuseram as armas, estas deveriam ser devolvidas à nação no mesmo estado em que lhas entregaram... só assim poderão manter a dignidade que sempre tiveram no papel que tão nobremente desempenharam ao longo da nossa história.
Nunca foi uma tradição de Portugal manter o seu património histórico, a prova é a falta do mesmo... o que aconteceu à armaria? Onde estão os espólios militares de Portugal? Foram vendidos a peso ao ferro velho e reciclados para panelas e esfregões de aço... ou então vendidos a coleccionadores estrangeiros que compraram por "tuta e meia" a história de Portugal... está na hora de reverter esta tendência... e parafraseando noutro contexto o nosso primeiro ministro... vamos REFUNDAR Portugal!!!

domingo, 3 de fevereiro de 2013

A Quinta do Parreira ou Casa do Professor - Santiago de Riba-Ul - Oliveira de Azeméis

 
A Quinta do Parreira, ou Casa do Professor, em Oliveira de Azeméis, é mais uma triste ruína que tive o privilégio de visitar. Já a tinha visto num fórum de locais abandonados e no Facebook, e a sua localização era guardada como um "segredo de estado"...
Quem lá tinha ido não revelava as suas coordenadas, supostamente para a defender de assaltos de vândalos, que infelizmente vão causando mazelas ao património abandonado... embora me pareça que na maior parte das vezes, esses segredos são guardados para preservar os louros de uma reportagem fotográfica, garantindo a glória de um "artista" por falta de concorrência...
É verdade que "o segredo é a alma do negócio", mas o que seria da humanidade se não houvesse uma saudável partilha de conhecimento? Como seria o firmamento animado apenas por uma estrela? Certamente ainda não teríamos ainda saído das cavernas onde viveram os nossos antepassados...
A vandalização destes locais abandonados deve sem dúvida ser combatida, mas  se estes casos de abandono não forem denunciados, também não serão conhecidos, o que creio que contribui muito mais para a defesa desta causa, que é a do património depauperado, e é uma luta para mim muito mais importante, preservar, mais que não seja as suas memórias.
A melhor forma de combater o vandalismo, é na minha opinião, sensibilizar, educar e cultivar... já que todos estes locais estão "à mão de semear" e só não os encontra, quem não os quiser procurar, a única maneira de travar os vândalos, é educá-los!!!
Este trabalho é dirigido a todos os portugueses, como forma de sensibilizar um público para este flagelo que a todos incomoda, é também uma partilha gratuita de conhecimento e experiências que dão sentido à minha vida e a este trabalho... imagine-se guardá-lo na gaveta para uso pessoal... seria uma calamidade tão grande como as ruínas que visito.
Depois desta breve dissertação, vou agora contar esta ruinosa aventura que há tanto tempo estava na calha...
Desta vez fui bem acompanhado por um pequeno grupo de ruinosos amigalhaços recrutados no ciber-espaço, além da generosa boleia, proporcionaram-me agradáveis momentos de ruinosa confraternização, em que a boa disposição e a fotografia estiveram sempre presentes...  estava formada uma equipa, com a qual contarei para as próximas expedições.
A Casa do Professor, ou Quinta do Parreira, foi buscar os seus nomes aos antigos proprietários, além de supostamente ter aqui vivido um outro professor, de quem adiante falarei.
O seu primeiro proprietário, terá sido um tal Doutor Aguiar, foi um bem conhecido médico da região e rico proprietário, que entrou para a posteridade por prestar ajuda aos mais carenciados conterrâneos, proporcionando-lhes emprego nas  propriedades que detinha na região do Porto e na quinta de Riba Ul.
Conforme algumas referências, esta propriedade terá sido vendida no primeiro  quartel do Séc. XX, a Domingos Parreira, um ilustre cidadão com origens em Cabreiros, no concelho de Arouca, que terá conquistado simpatias nesta terra (Riba-Ul), por ter arranjado trabalho aos locais, na extracção de volfrâmio, na sua terra natal.
Por morte deste último proprietário, a quinta passou depois de uma conturbada herança para a posse de um sobrinho, que entretanto e seguindo os passos do tio, também faleceu, deixando-a aos seus descendentes emigrantes na Terra Nova, e consequentemente, votada ao abandono.
Foi também nesta casa que segundo se conta, viveu durante a sua infância o insigne Doutor António de Castro Alves Ferreira, de quem transcrevo uma breve biografia:
Breves dados biográficos do Prof. Doutor António de Castro Alves Ferreira da Silva
“Parte superior do formulário
Nasceu em Figueiredo, Santiago de Riba-Ul, concelho de Oliveira de Azeméis no dia 30 de Abril de 1926. Foram seus pais o tenente-coronel António Joaquim Ferreira da Silva Júnior (1887-1947), militar de carreira e engenheiro de minas que foi diretor das minas de Tete, em Moçambique, e Director das Obras Públicas da colónia de Macau, e D. Maria Luísa de Castro Ferreira Alves (1902-1928) que faleceu jovem e vítima da tuberculose. Órfão de mãe desde os 2 anos de idade e de pai desde os 21, o professor António Ferreira da Silva teve uma educação austera de seus avós, com quem viveu a infância e adolescência na casa da Quinta de Figueiredo, dada a quase constante ausência do pai, em comissões de serviço. Julgo terem sido estas circunstâncias que principalmente contribuíram para a sua extraordinária personalidade, que poderá ser brevemente caracterizada por uma tão rara combinação de seriedade, amor ao trabalho, amor à família, sentido do dever e das responsabilidades, desprendida modéstia, simplicidade de trato, generosidade, aliadas a uma grande capacidade intelectual, em que o seu espírito lógico e analítico se conjugava com a mais notável habilidade manual e mecânica, dedicando muitas das suas horas vagas estes trabalhos, assim como a outras, de arquitectura e construção, digo, desenho de construção civil. Estudou nas Universidades de Porto e Lisboa, e formou-se em Ciências Matemáticas. Após uma breve passagem pelo ensino secundário, foi convidado para assistente na Universidade do Porto. Mais tarde faz concurso para professor auxiliar e professor extraordinário, estando na última fase dos mais de vinte anos que ensinou na Universidade do Porto, sobretudo ligado à cadeira de Desenho, embora tivesse seguido aí, anteriormente, muitos outros cursos. Por volta de 1976 ou 1977 pede transferência para a Universidade de Aveiro onde é Professor Agregado e rege também cursos para pós-graduados. E na madrugada de 21 de Julho de 1984, depois de uma noite mal passada, e quando apesar de tudo se preparou para fazer nessa manhã exames em Aveiro e levar para lá de automóvel um colega professor, é acometido de um ataque cardíaco fatal, surgido cerca de 8 anos após os primeiros sinais de doença. Como filho deste falecido professor, não me compete falar de favores ou benefícios que por ele realmente foram feitos ao longo dos anos a pessoas residentes na zona de Figueiredo, algumas das quais me pediram para redigir estas curtas notas, tendo em vista a possível (e justa) perpetuação da sua memória numa placa toponímica. Se tal se concretizar, gostaria de fazer uma sugestão, para evitar a confusão com o nome de outras pessoas, avô do meu pai, também chamado António (Joaquim) Ferreira da Silva, nascido no convento de Cucujães e que foi o professor que introduziu na ciência química no nosso país e que foi sócio correspondente de Academias Científicas de Berlim e de Paris (1853-1923) e cuja passagem por este mundo é lembrada em ruas de Oliveira de Azeméis, Amadora (em Lisboa), Porto e Cucujães. Assim, a placa deveria ser “Rua Ferreira da Silva, matemático, 1926-1984”, ou “Rua do matemático Ferreira da Silva, 1926-1984”, ou “Rua António C. Ferreira da Silva”, ou outra qualquer que sirva para distinguir estes dois naturais de Oliveira de Azeméis que foram professores na Universidade do Porto.”
Por : António E. Ferreira da Silva
Este imóvel é uma casa romântica com aspirações a palacete, é cercada por um gradeamento que mantém à distância os curiosos, embora o muro que completa a propriedade seja de relativamente fácil assédio... por aí nos introduzimos após uma bem sucedida escalada, descobrindo depois que teria sido bem mais fácil solicitar o acesso ao simpático vizinho da frente, que toma conta da propriedade.
A sua fachada revestida a azulejos é um prenuncio dos interiores, pois em tudo esta casa é uma afirmação de estatuto social. Os maiores cómodos rivalizam em amplitude com o salão de baile de um quartel de bombeiros, e os estuques que adornam os tectos, fazem corar de vergonha a mais faustosa residência nobre, que pela profusão,  ultrapassam o limite de bom gosto, entrando no limiar no novo-riquismo.
Aqui se vive o romantismo de uma classe burguesa que pela sua cultura e fortuna, se tentava aproximar da aristocracia rural, imitando o seu estilo de vida transposto na arquitectura. Há indícios de uma actualização decorativa no estilos de alguns estuques, que pelas figuras de mitologia se afirmam como arte-nova, estes, são sem dúvida os elementos de maior valor artístico desta casa.

O momento mais alto em todos os sentidos, desta ruinosa aventura, é o cimo da imponente escadaria, que é coroado com um fantástico lanternim e uma varanda sobre toda esta ruína... não nos pudemos aventurar muito mais neste andar, porque o soalho não oferece as condições de segurança mínimas... e já sabemos que o equipamento fotográfico é caro e deve ser poupado a trambolhões...
A casa encontra-se em muito mau estado de conservação. Pelas muitas infiltrações,  todas as madeiras que suportam a sua estrutura apodreceram, tornando-se numa verdadeira armadilha para os incautos visitantes, que facilmente seduzidos pelo ambiente, se esquecem dos iminentes perigos que estão sempre à espreita.
No andar superior, o piso chegou a ceder ao peso de um dos meus colegas fazendo desabar o tecto do andar intermédio que por alguns centímetros não acertou na restante equipa de ruinólogos ... uma vez mais aconselho a ter toda a cautela quando se visitam ruínas, este episódio poderia ter causado baixas que só por sorte se ficaram por um susto. E assim foi mais um dia bem passado a visitar ruínas de um País abandonado...

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