quarta-feira, 19 de outubro de 2011

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Mosteiro de N. Sra. do Desterro - Monchique

Dizem que não há coincidências, pois o destino está escrito e é ele que nos guia pelos caminhos da vida... esta foi mais uma  aventura que estava escrita no meu ruinoso caminho...
Enquanto fazia pesquisas cibernéticas na demanda de mais património religioso, deparei-me com este desgraçado monumento que merecia uma visita deste nosso projecto, além de uma urgente intervenção... era o Mosteiro de Monchique, um edifício recheado de história e cheio de rocambolescas estórias.
Todo o seu conjunto tem profundas cicatrizes causadas pelo tempo e pelas intempéries que o atentaram ao longo de séculos, e que com a sua decrépita majestade continua teimosamente a colocar Monchique no mapa do património, como um autêntico símbolo desta linda vila algarvia.
Por estar financeiramente cingido ao meu código postal e pela distância que nos separa exceder largamente o meu raio de acção, tornava-se impossível fazer esta reportagem sem a mão do destino...  era como um chamamento mas adiar a visita seria a única solução.... guarda-lo-ia no meu ruinoso mapa mental até ter uma oportunidade de o visitar...
Nessa mesma hora recebi um telefonema em nome das Jornadas Europeias do Património, na pessoa da Sra. Dra. Isabel Veiga Cabral, a convidar-me a estar presente em Monchique no fim de semana seguinte, integrando o Projecto Ruin'Arte nessas comemorações com uma exposição na galeria municipal, tendo direito a uma ajuda de custo para a deslocação e estadia.
Como se não bastasse, ainda nessa noite recebi uma mensagem de um seguidor que me denunciava este mesmo mosteiro... era demais... tinha que ir, não se pode aldrabar o destino!!!
Além da mediática oportunidade e de todas as entidades que viesse a conhecer, poderiamos levar a mensagem a toda a população, o que  sempre foi a nossa meta... seria ouro sobre azul.
Como o Edgar também quis ir, tivemos que ser instalados nas Caldas de Monchique, que além de aceitar animais é a mais agradável unidade hoteleira de toda a região, e que muito amavelmente nos convidou sem quaisquer restrições... a todos os seus colaboradores um grande OBRIGADO!!!
Por coincidência (?) e entre os colaboradores conheci  o Daniel Florêncio , o seguidor que me indicou o mosteiro... para além de ter feito outros bons amigalhaços e nos terem "estragado com mimos" , a estadia nas termas fez-me ter noção da popularidade que este projecto está a ter. O Ruin'Arte é escutado e ecoa um pouco por todo o País, e em todo o País encontro solidariedade com esta causa que é de todos nós... afinal não estamos sós...
Monchique além de ter uma afável população é uma agradável povoação... é uma terra rica em património... a aguardente de medronhos e a melosa do sr. Paulo José Nunes contribuem generosamente para cultura desta vila, tal como toda a gastronomia local que nos surpreende a cada refeição...são de salientar os enchidos tradicionais como a chouriça, a farinheira, o molho e a morcela, e o tão famoso  presunto, que acabou por gerar uma feira... também a couve à Monchique, a assadura, o feijão com couve, feijão com arroz, grão com massa, todas confeccionadas à base de carne de porco preto são valiosos pedaços de património monchiquense que não podem ser esquecidos dos roteiros culturais.
A Câmara Municipal é dinamicamente gerida pelo mais jovem autarca do País, o Dr. Rui André, que fintou o Ruin'Arte ao acabar com quase todas a ruínas de Monchique, estando-se neste momento a ultimar a aquisição do convento e pôr finalmente um ponto final nesta triste história, fazendo da sua gestão um exemplo para todos os autarcas.
Há uma publicação mensal da Associação do Monchiqueiro, um jornal de carácter social e cultural, que o Dr. José Gonçalo e sua equipa dinamizam com fulgor levando as Monchiquenses notícias a todos os monchiqueiros...
  A Associação das Aldeias Históricas de Portugal teve o papel organizador deste evento,  a perseverança e fibra da Dra. Isabel Veiga Cabral, o apoio da Arqtª Helena Cabral e da minha assistente favorita, a Dra. Helena Mesquita, fizeram deste acontecimento uma memória que guardarei com saudade.
Outros amigos que fizemos, foi o grupo Karnart, do Teatro Maria Matos, que foram a Monchique travar conhecimento com o mosteiro, onde beberam a necessária inspiração para realizar a peça "O Mosteiro", inteiramente dedicada a este monumento... combinámos uma exposição para a inauguração da peça, criando uma sinergia que a todos trará proveito...
 
A nossa colecção foi recebida na Galeria de Santo António , é  um espaço municipal dedicado à arte e cultura. Foi resultado de uma habilidosa reabilitação que deu nova vida a uma antiga capela em ruínas. É gerida pelo simpático Rolf que se tornou meu "sócio"... o ambiente que aqui se vive faz qualquer artista sentir-se em casa.
A “Academia de Música de Lagos” - Nova Filarmonia, também nos brindou com as suas alegres notas, distribuindo alegria e harmonia a quem por lá passou.
A Ana Pinto, foi outra colaboradora que encontrámos nestas ruinosas andanças, além de antiga seguidora deste projecto, é autora dos textos históricos que vos apresento, o que além de me honrar com tal contributo, tirou-me o peso e responsabilidade de rescrever esta malfadada história.
Em 1631, Pedro da Silva, o Mole, funda no lugar de Monchique um convento de que a 20 de Março do ano seguinte a Ordem Terceira Regular de S. Francisco toma posse, com o Provincial P. Frei Manuel de Santo António governando uma pequena comunidade de onze monges. Estes indivíduos seriam possivelmente secundogénitos de famílias influentes da região, e o seu número não terá variado muito ao longo da História do edifício religioso, havendo notícia de que em 1707 albergava quinze frades.
Só depois de instalados no edifício monástico foi deliberado o seu orago, uma vez que “os Fundadores não quiseram dar-lhe a invocação; quiseram que esta a declarasse o Céu”. Nesse sentido, segundo reza a lenda, foram escritas diversos títulos de Nossa Senhora em diferentes pedaços de papel, dos quais um seria tirado à sorte por uma menina. Pois por três vezes a inocente criança terá tirado a invocação de Nossa Senhora do Desterro, como se de um oráculo se tratasse, não deixando dúvidas de que seria essa a vontade da Providência.
Pouco se conhece das funções desempenhadas pelos membros do Mosteiro no seu quotidiano, além da prática da assistência e caridade que caracterizam a Ordem franciscana. Prestavam diversos serviços na igreja paroquial, como a substituição do pároco sobretudo durante a Quaresma, ou para pegar na insígnia sempre que se realizava um baptizado, cuja madrinha fosse Nossa Senhora, já que aquela estava vedada aos leigos, e sabe-se ainda da existência de alguns atritos entre os monges Terceiros de S. Francisco e a Irmandade da Misericórdia.
Os frades também trabalhavam a terra, de onde recolhiam a sua subsistência, e para isso procederam ao desbravamento e transformação em socalcos (localmente conhecidos por “canteiros”) dos terrenos em redor do Convento, e aproveitaram os cursos de água para regar os solos férteis.
Durante os séculos XVII e XVIII, era comum os monges doentes virem de várias regiões do Império para se restabelecerem no convento, com a possibilidade de usarem as águas termais para a sua cura, ao ponto do Cardeal Pereira, em Setecentos, mandar erguer nas Caldas de Monchique um dormitório com banho interior, para serventia dos franciscanos, que terão trazido da Índia a frondosa magnólia multicentenária que se encontra ainda hoje nas imediações do Convento de Nossa Senhora do Desterro, que em 1927 foi considerada a maior da Europa.
A prática gastronómica levada a cabo pelos monges terá também dando origem às iguarias típicas de Monchique, como o substancial bolo de tacho ou de Maio e outros doces, ou até mesmo de cozinhados e enchidos que actualmente consistem no ex-libris da cozinha desta região serrana do Algarve.
Seriam heranças conventuais, ainda em finais do século XIX, as músicas tocadas pela banda nas procissões das Endoenças e na Sexta-feira Santa, os terços pelas ruas da vila, e a sequência da Paixão cantada pela população na Quaresma, segundo narrou o prior David Netto. É também provável que os religiosos de S. Francisco estivessem por detrás da erecção de algumas das capelas existentes, ou já extintas, no concelho.
De acordo com as Memórias Paroquiais, o Abalo de 1755 teve efeitos devastadores neste imóvel monástico, porquanto “lhe cahio parte das abobadas da Igreja e Capela Mor os campanários, sinos e frontespicio em cuja ruínas morrerão duas pessoas, ficando algumas mais feridas, e entulhadas e ahinda juntamente huma parte do Dormitório e claustro e cazas do comum ficando tudo o mais arruinado e os muros todos por Terra”.
 A partir de então, o edifício não terá recebido obras de reconstrução adequadas, facto que contribuiu para a progressiva decrepitude das instalações, que depois da Extinção das Ordens Religiosas pela pena de Joaquim António de Aguiar, e consequente encerramento da comunidade conventual, passa por vicissitudes várias que contribuem para que se degrade mais ainda.
Saído o alvará de D. Maria I, de 6 de Outubro de 1779, recebe o privilégio de uma escola de “ler, escrever e contar”, e em 1798 os viajantes Christian de Waldeck e o coronel barão von Wiederholf testemunham o recolhimento de cinco monges no cenóbio.
 Em 1842, é vendido a uma família liberal em hasta pública, juntamente com a sua cerca, que transforma o Convento em habitação particular, condição em que tem permanecido até à actualidade.
O imóvel encontra-se agora despojado do recheio artístico que decorava o seu interior, do qual se destacam os altares em madeira da igreja e da Capela dos Irmãos Terceiros, com as respectivas imagens de santos, entre os diversos objectos para celebração da liturgia, que foram distribuídos  por outros templos de Monchique e da região, para escaparem à degradação e ao esquecimento.
Por outro lado, o conjunto de azulejos do século XVIII que forrava o refeitório tem vindo a ser delapidado, tanto o painel com a representação da Última Ceia, assim como o silhar de azulejos em que figuram aves, flores, fruteiras e palácios, de influência holandesa.
O próprio imóvel apresenta-se como testemunho orgânico da arquitectura das Ordens Religiosas no reinado filipino em Portugal, associado à versatilidade e racionalidade da arquitectura militar de então, simultânea aos movimentos religiosos reformistas, que apelavam ao recrudescimento da vida monástica, e que explicam o seu aspecto austero e a volumetria unitária da igreja.
Assim, a ruína que hoje se encontra despida do seu conteúdo e descaracterizada pela utilização incorrecta das suas instalações testemunhou a transição dos cânones estéticos austeros maneiristas para o decorativismo exuberante do Barroco, num testemunho único em todo o concelho de Monchique.
E só a qualidade dos materiais e da técnica construtiva podem explicar que, após mais de 250 anos de abandono, o Convento de Nossa Senhora do Desterro se tenha mantido firme, numa atitude de desafio à passagem do tempo, resistindo com a convicção inabalável no seu próprio valor histórico.

   









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