Fui por duas vezes contratado como fotógrafo profissional para fotografar panoramas da baía do Seixal, além da sua típica arquitectura. Foram trabalhos feitos para empresas de construção que pretendiam construir naquela zona. Interesse que reforça o valor imobiliário e vontade de investir num local que tem todos os requintes da arte de bem viver...
Para ter uma perspectiva de frente para essa vila teria de a abordar na Ponta dos Corvos, uma península com uma praia fluvial virada para Lisboa e terrenos pantanosos no lado da baía.
Depois de ter seguido a marginal que ladeia a baía até ao fim deparei com uma estrada sem saída e ninguém me soube dizer como se ia para esse local, por mais voltas que tenha dado não consegui atingir esse ponto...até que inventaram o Google Earth e assim consegui chegar a essa meta , mas só na segunda incursão é que fui a este local...
Foi no dia em que nasceu o meu filho Dinis...tinha combinado ir buscar ao aeroporto às 8h da manhã um designer castelhano que viria acompanhar a sessão , só que entretanto o puto lembrou-se de nascer logo nesse dia e não pude avisá-lo...imaginem o sssssstresssssss...
Larguei o “nuestro hermano” em Belém, onde poderia ver o Museu do Design, Marinha, Arqueologia, Jerónimos, Coches, etc... estava garantido que ficaria bem entregue e assim que pudesse iria ter com ele...
Só que o puto ainda estava atrasado e teimava em não sair... até que estava quase na hora do avião de volta e tive mesmo que ir fotografar... assim que saí, o Dinis saiu também...desencontramo-nos por dez minutos...(sacana do puto....!!!!)
Fiz tudo na brasa e aproveitei uma luz catita do fim de tarde, levei o cliente ao aeroporto e voei para a maternidade onde tive o privilégio de conhecer o meu varão...parecia um amendoim, era perfeito...
Hoje tem quatro anos e é uma das minhas maiores alegrias...mas voltemos ao Seixal...
Voltei a explorar esta baía diversas vezes, é um santuário da natureza completamente vandalizado. A sua profícua flora presenteia-nos generosamente e com frequência se podem ver bandos de flamingos, de perna-longa, alfaiates, garças , patos-bravo, que ali buscam alimento, locais de nidificação e abrigo...
Encontramos também nas suas margens muita sucata....velhas carcaças de barcos ferrugentas, que pela diluição de metais pesados contaminam as águas e solos além de ofenderem a paisagem. Muito enriqueceram a minha série “Rust in Peace”, antecessora do “Ruin’Arte”, e tivesse eu barco teria gozado muito mais com este degradante espectáculo digno de uma costa paquistanesa ou namibiana...
Brindado por uma vista panorâmica de uma distante Lisboa sobre o Mar da Palha e servido por uma praia sem veraneantes e poluição, com uma exposição solar completa uma vez que não está sujeito nenhuma barreira ou relevo nas imediações, a Ponta dos Corvos é um local de eleição para qualquer ser vivo que pretenda ter qualidade de vida...a viagem até lá é que é pior...a estrada de terra batida é um pouco sinuosa e os terrenos podem estar quase alagados por enormes poças de água de chuva...
Ao chegar à Ponta dos Corvos, não só temos uma magnifica vista sobre o Seixal, como também travamos conhecimento com alguns dos exemplares da melhor arqueologia industrial completamente devotados ao abandono...
Como é que estruturas tão valiosas como estas, quer no ponto de vista histórico, quer no ponto de vista imobiliário não são reabilitadas e postas a render...??? O local é pleno de beleza natural, de uma calma e harmonia que faria corar de inveja qualquer outro ponto turístico ou postal ilustrado.
Sendo Portugal um dos maiores consumidores de bacalhau em todo o mundo, é difícil de compreender porque é que esta indústria pesqueira entrou em decadência. Fomos donos de uma invejada e portentosa frota pesqueira num passado recente, além do Creoula que é hoje um navio escola, onde estarão esses fantásticos navios que fizeram história nos mares do Norte?? Possivelmente nesta mesma baía e abandonados em estado de sucata...atrevo-me a alvitrar...
Tivemos estaleiros navais capazes de produzir excelentes embarcações em tempo recorde, mão de obra especializada era coisa que não faltava e um povo ávido por esse nobre peixe que se prepara de mil e uma maneiras diferentes...e todas elas deliciosas...o que é que terá falhado???
A Fábrica da Seca de Bacalhau da Companhia Atlântica de Pesca. Era a maior da zona e aqui se estabeleceu em 1947 tendo encerrado no princípio dos anos 90.
O edifício principal encontra-se em relativo bom estado de conservação, mas o mesmo já não se pode dizer dos pavilhões adjacentes. A destruição destas estruturas fazem lembrar a passagem do furacão Katrina quando castigou a costa Sul americana...
Os pavilhões adoçados ao edifício central, pela sua envergadura servem também de testemunho à importância económica e social que esta indústria protagonizou, uma vez que foi responsável por centenas de empregos que aqui se criaram.
Deste espaço restam apenas as paredes ainda alguns tanques de lavagem que facilmente se imaginam cheios de bacalhau, levando-nos quase a sentir o cheiro que ali se propagava.
Há vestígios de um cais, cujos alicerces ainda marcam a presença do que outrora foi palco de um pesado labor diário, a avaliar pelo seu comprimento deveria permitir várias amarrações ao mesmo tempo, o que testemunha a rotineira azáfama desta fábrica, além de uma numerosa força de trabalho...
Nos terrenos circundantes podemos ainda ver as centenas de estacas que serviam para secar ao sol este apetitoso peixe, dando-nos também a oportunidade de realizar a envergadura da produção desta unidade industrial.
Há ainda uma curiosa e romântica edificação bem no meio de um pântano, que é descrita no Google Earth como “moinho da seca do bacalhau” e a mim me parece apenas um abrigo para aves selvagens ou domesticas que ali devem ter morado, uma vez que não tem nenhuma engrenagem ou entradas de água...
Em toda a área envolvente há várias estruturas edificadas, todas elas em estado de ruína... só nesta margem há cinco moinhos de maré e outra fábrica que hão-de merecer oportunamente a minha atenção, já lá andei mas é inevitável molhar os pés ou chafurdar no lodo para conseguir boas perspectivas...lá terei de alugar um barco...só assim poderei fazer um trabalho com a qualidade que este projecto merece...conhecem alguém que possa dar boleia???
Onde poderão saber mais sobre a pesca do bacalhau e outras curiosidades http://caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Descobri, por acaso,como quase tudo no ciberespaço, ao procurar ruínas dos sécs.XVII e XVIII, o seu blogue pelo qual o felicito.
ResponderEliminarA foto grafia é excelente e os textos, vivos e cativantes.
Oxalá alguém com esponsabiliaddes nest epaís lhe desse a devida atenção...
Continuarei a segui-lo.
Parabéns pelo mérito.
Olá Gastão
ResponderEliminarParabéns sobre o tema das Secas do Bacalhau do Seixal (além da Atlântica há mais, e ainda há mais sobre os moinhos de maré...).
Sobre esta Seca posso-lhe dizer que conheci o dono -amigo do meu Pai- um homem do Mundo mas com "orgulho nacional", que se recebia com o Prime-Minister Britânico( Sir Anthony Eden) e que ofereceu um "dori" da pesca, ao Museu Marítimo de Greenwich,Londres, que ainda hoje lá está.
(Também o grande veleiro Cutty-Sark- a maior atracção do Museu,em doca-seca - foi português e também lá está, graças a nós...).
Esse grande Senhor,dono dessa Seca,foi mais conhecido sobretudo, por ter afirmado nos jornais da época, que (com a sua grande fortuna) compraria a Ponte-sobre-o-Tejo(então em construção) para oferecer aos portugueses...
Entrevista que foi publicada e que enfureceu Salazar, que ia dando um conflito diplomático,que só não deu por causa de Sir Eden que lá pernoitava...na Seca Atlântica.
Para além disto,a Seca tinha (e tem,julgo) um Moinho de Maré lindíssimo,do séc XVIII,tal compo eu tinha na minha Quinta(demolida),não longe desta.
Voltemos ás Secas do Bacalhau-sem dúvida- mas sobretudo aos Moínhos-de-Maré que ainda estão recuperáveis !
Abraço,
António Muñoz
Fantástica história que me conta...muito mais enriquecedora do que o próprio post... obrigado pela partilha...
ResponderEliminarGastão
ResponderEliminarMais um documento importante e belo!
Gostei em especial do enriquecimento com a história do nascimento do Dinis...
À pergunta habitual e obrigatória: "o que falhou?", não consigo encontrar outra resposta do que: "nascemos no meio dum povo ignorante e pequenino, muito pequenino", lamento.
até breve
Teresa Leal
Curioso....
ResponderEliminarhttp://terminal23.posterous.com/experiencias-0
Olá!
ResponderEliminarConhecemo-nos no foto pt...
Cheguei aqui à procura da seca do bacalhau... sou desta zona por isso tudo isto e-me familiar.
Ainda bem que não deixaram construir nada nesta zona, lá se ia o sossego! Eu moro no Miratejo. Saudações - AM
Muito bom e interessante. Sou do Seixal e partilho as suas críticas construtivas em relação a estes locais abandonados, em ruína, vandalizados e esquecidos...
ResponderEliminarHá vários locais de interesse que lhe poderei indicar.
Há no entanto, um que parece estar a ser bem encaminhado pela CM Seixal. Falo da Fábrica da Pólvora de Vale Milhaços (Corroios) com máquinas do início do século XX. Vale a pena visitá-la e ver de ângulos diferentes!
Cristina Pereira
fascinou me este blog
ResponderEliminarAh quantas saudades dos meus 17 anos! Idade que tinha quando trabalhei nesta seca de bacalhau, a Alântica! Estávamos em 1965!
ResponderEliminarUauu…encontrei este post para efetuar um trabalho da escola com o meu filho e fiquei fascinada com as fotos e com os comentários que aqui habitam. Gostaria de partilhar que após visitar o navio-hospital Gil Eanes em Viana do Castelo (em modo férias familiares) fiquei a saber muito mais sobre a história do bacaclhau no nosso Portugal. É verdade que éramos o império do bacalhau, que exportávamos e ganhávamos fortunas mas tudo se acaba quando são criadas as fronteiras marítimas e assim fomos impedidos de continuar a devastar a Terra Nova (costa canadiana e norueguesa). Consequentemente todas as fábricas de seca de bacalhau acabaram por falir.
ResponderEliminarSou do Seixal e adoro descobrir estas histórias e relações entre elas. Gostava muito de puder ouvir o Sr Zulmiro falar dos seus 17anos bem como o Sr António munõz sobre histórias do nosso Seixal.
Um bem haja Sr Gastão pelo fantástico blog.