Marvila tem uma longínqua e honrada história que remonta aos tempos mais imemoráveis. O seu topónimo evoca a relação que tinha com a vila e o Mar da Palha, que desde sempre viveram na mais estreita cumplicidade. Foi desde sempre um bairro de árduo trabalho e um dos pilares de Lisboa.
Miradouro da antiga quina do Marquês de Marialva
Era um local onde se situavam as quintas e fábricas que abasteciam a capital, zona onde estava instalada “a nata” da nobreza em sumptuosos palácios, onde o clero tinha grande influência pelos conventos e ordens religiosas que ali existiam, pela burguesia industrial que acabou por adquirir a maior parte das propriedades e transformou para sempre o seu panorama, e por um povo que a manteve viva e nela se imiscuiu até se tornar no seu verdadeiro símbolo.
Antiga vila na R. José do Patrocínio
Durante a segunda metade do Séc. XIX, após a extinção das ordens religiosas e pela decadência da “velha nobreza”, boa parte das propriedades foram adquiridas por industriais e convertidas em fábricas, para acudir à mão de obra cada vez com mais procura naquela zona de Lisboa. Houve imigrações massivas de populações essencialmente vindas do norte de Portugal e das Beiras, pelo que floresceram na sua arquitectura casas rústicas inspiradas na arquitectura nortenha, vilas operárias e alguns palácios que foram convertidos em “prédios de apartamentos”.
As tão típicas hortas urbanas são uma herança cultural das populações rurais que ali se instalaram, foram e são muitas vezes uma fonte de subsistência para inúmeras famílias que delas dependem para uma alimentação barata e saudável, além de constituírem uma forma de convívio e aproximação social.
É precisamente destas gentes e destas habitações tão típicas que vos vou hoje falar... cada vez que visito e me aventuro por esta zona de Lisboa, tenho conhecido e travado “amizades” com vários elementos da população, dignos cidadãos como quaisquer outros alfacinhas, que muitas vezes são de uma simpatia e educação exemplar, abertura de espírito e generosidade sem igual em todos os bairros que conheço de Lisboa...todos guardam memórias quando o bairro era próspero e embora , pasme-se, relembram com saudade dos tempos antes de 74... as indústrias trabalhavam, as quintas produziam e havia emprego... todos esses factores que foram o motor deste bairro se extinguiram levando-o a uma lenta decrepitude...até a população mais jovem sente diferenças desde os tempos da Expo, em que havia promessas de investimento e alguma cultura...
Antiga Quina do Baptisa, convertida em vila - R. Direita de Marvila 48-52
Conheci vários tipos de gente, os horticultores, reformados, ciganos, gangues, esplanadas inteiras com que falei e se mostraram de uma simpatia ímpar...o sr. Manuel, o sr. António Oliveira, a “freak” Joana, o sr. Chico, as sras. das passagens de nível, dos cafés, os transeuntes indagados constantemente com as minhas chatas perguntas e a vontade em responder ou encontrar resposta a todas as dúvidas impostas, houve quem tivesse ficado com o meu contacto para me poder ajudar nas pesquisas...quando a carrinha ficava entalada nas azinhagas e a população se mobilizava para ajudar na manobra...enfim, um espírito de corpo difícil de encontrar noutros sítios supostamente mais civilizados...
Infelizmente este bairro encontra-se numa forma geral bastante degradado, a maior parte dos edifícios necessita pelo menos de uma pintura para se tornar novamente digno e orgulhoso. A degradação é certamente devida ao fecho das fábricas que ali existiam, facto que empobreceu bastante aquela zona que foi outrora próspera. Com o declínio da indústria houve um inerente declínio social e económico que conduziu à ruína uma grande parte dos edifícios mais emblemáticos de Marvila.
A falta de investimento camarário é evidente uma vez que são proprietários de muitos imóveis deste bairro, que impavidamente assistem ao avançado estado de ruína tornando-se culpados de vandalismo histórico e social. Porque não reactivam algumas estruturas fabris??? Elas estão lá e continuam paradas... Porque não reconstroem as vilas e proporcionam habitação jovem??? Porque é que os palácios estão devolutos ou arruinados quando há tanta falta de espaço para novas empresas que com dificuldade enfrentam pesados encargos estruturais??? Tudo isto dinamizaria Marvila e tornava possivel algumas metas que o governo se propôs a atingir, além de restituir a alma daquela freguesia...
Das quintas restam ruínas e memórias, diluídas nos alicerces que testemunham a grandeza e prosperidade que fizeram a história de Marvila...das vilas e casas rústicas, verdadeiras assombrações das inúmeras famílias que ali viveram durante gerações, restam vestígios que apelam à preservação da sua história...
Talvez a nova ponte consiga resolver os casos de algumas ruínas mais emblemáticas, quando as demolirem para construir os alicerces irão certamente enterrar muitas vergonhas que qualquer português terá dificuldade em explicar a um incauto turista...serão enterrados também vestígios de prosperidade e boas memórias, além de um património insubstituível.
Um túnel segundo dizem sairia mais barato, não agredia a paisagem e em termos de engenharia teria mais protagonismo mediático...uma espécie de Túnel da Mancha, mas em ponto pequeno ("ganda pinta") e com o que sobrasse, reconstruíam este bairro!!! O que dizem??? Aproveitando o mesmo orçamento faziam um brilharete na Europa, não desfigurava mais Lisboa e ainda reabilitam Marvila...
Para lá da descrição, as imagens. Que remate e que belo enfeito. É sempre um gosto apreciá-las.
ResponderEliminarFique bem.
Mais do que a descoberta, mais do que uma tarde muito bem passada, conseguiram-se, mais uma vez, fotografias excepcionais!
ResponderEliminarToda a força, apoio, ajuda e companhia que forem necessárias para ver o projecto continuar a crescer
Olá! Muito boa tarde!
ResponderEliminarSomos alunas das Escola Superior de Teatro e Cinema e gostaríamos de saber se nos pode ajudar. Vamos filmar um filme final de curso que tem como espaço principal um cinema antigo degradado. A verdade e a tristeza é que há muitos, mas não os podemos usar. Tantas burocracias para um projecto avançar para a frente faz com que apodreçam no meio da Capital e de outras cidades. Enfim... entretanto conseguimos na minha cidade - Almada, um espaço que há cerca de trinta anos esta destruido, mas que ainda este ano vai ser transformado num grande projecto pelas mãos da companhia de dança de almada que assim lhe dará digno e proveitoso uso cultural. Escremos-lhe este post porque andamos há muito tempo a procura de locais e espaços específicos deste post, mas ainda não conseguimos encontrar. Estas caixas de correio ficam na antiga quinta do Batista?
por favor, se nos quiser ajudar, diga-nos do que puder.
Obrigada,
Mariana Cortes
As caixas do correio estão num prédio na Rua de Marvila, nº50, e na quinta dos Padres.
ResponderEliminarMuito obrigada pela informação. Este domingo ainda, vou começar a minha descoberta por marvila e pelas pessoas cujas raizes remontam a outra era destas ruínas. e pelos vistos, cujo espírito e humanidade também já não se vê muito por este mundo... gostei muito deste post.
ResponderEliminarmariana
Não consegui identificar a Quinta dos padres. É em Chelas, mas não consegui saber exactamente onde, ou próximo do quê.
ResponderEliminarSei que já não terá esse nome, e secalhar perguntei às pessoas erradas.
A Quinta dos Padres fica perto do quê?
boa noite,
obrigada
mariana
Fica na R. José Patrocínio, que é a R. da AMI.
ResponderEliminarsaudade Marvilla....
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