Tinha prometido a mim mesmo aguentar uns tempos sem ir às ruínas, além da colecção ter atingido um tamanho considerável (750 imagens editadas e cerca de trezentos edifícios) o que começa a tornar-se ameaçador em termos de gestão, pesquisa e outras tarefas inerentes...
Hoje deparei com a Vila Sousa no Google Earth, prémio Valmor de 1912 da autoria de Norte Júnior, um dos meus arquitectos de eleição. É um palacete arte nova que é uma autentica “peça de joalharia” de arquitectura num calamitoso estado de conservação... foi mais forte do que eu...
Aproveitei uma ida a Lisboa e com uma escapadinha lá fui eu às ruínas... Fica situada na Alameda das Linhas de Torres, 22 que por ser um sítio difícil de estacionar, tive de parar numa azinhaga que ladeia a propriedade onde me introduzi pelas traseiras. Uma vez mais tive de saltar um muro e fiquei surpreendido pelo seu enorme tamanho , o terreno deve ter as dimensões de um campo de futebol e a casa é maior do que uma piscina olímpica.
O que foi outrora um harmonioso jardim é hoje uma verdadeira exploração agrícola. Todo o terreno está aproveitado com uma super horta, todos os centímetros quadrados estão plantados com uma cultura intensiva de couves galegas e outros géneros que tais. Deve ser a horta mais cara e mais chique de Lisboa, a avaliar pelo preço do metro quadrado nesta zona da cidade, além de se poder gabar de ser uma horta Valmor...
Como não sabia se havia cães ou alguém por perto entrei a cuidado para evitar surpresas desagradáveis. Aproximei-me da casa pelas traseiras sem me ter apercebido da sua dimensão e traça da fachada. Desta vez comecei pelo fim e a excitação foi crescendo à medida que que me aventurava entre os muros e escolhia ângulos que pudessem transmitir o ambiente e tamanho deste monumental edifício.
As paredes exteriores foram consolidadas após todo o miolo ter derrocado sendo a única coisa que resta de pé... do seu interior restam apenas memórias que gostaria de acordar. Tentei imaginar as paredes decoradas com frescos e quadros, os tectos com estuques rendilhados e lustres de cristal, o chão com elaborados desenhos de parquet, os salões e a biblioteca, os quartos e cozinha...
Toda a decoração deveria ser constituída por um enorme espólio de arte a avaliar pela envergadura e pela riqueza desta casa. Como teria sido o dia a dia da família que ali vivia, a criadagem, os amigos e festas que certamente ali tiveram lugar ...
Foi encomendado por José Carreira de Sousa, de quem tentei saber algo pela internete e nada consegui apurar, apenas posso neste momento alvitrar que era um rico burguês, uma vez que não vem referidos em nenhum site de genealogia... fiquei curioso sobre este personagem...se alguém souber algo e quiser partilhar...
Só descansei até ter vislumbrado a sua magnífica fachada, um deleite de arquitectura e decorada com riquíssimos pormenores decorativos que se mantém perfeitamente preservados.
As janelas são de compasso e graciosamente traçadas, rematadas com arcos de volta perfeita, suportadas por colunas com capitel de inspiração coríntio e um toque de arte nova, que lhe dão um travo romântico muito característico deste estilo. A cantaria é minuciosamente esculpida com motivos florais e na empena tem uma grinalda que se poderia considerar uma natureza morta... enfim, mais uma pérola deitada aos porcos...
Uma vez mais são inevitáveis as pertinentes questões da praxe...porque é que a Vila Sousa está neste estado??? Que medidas foram ou estão a ser tomadas no sentido de proteger um prémio Valmor???Já ouviram falar em obras coercivas??? Já alguém pensou na rentabilidade que poderia dar uma propriedade deste calibre??? É meramente uma questão financeira ou é apenas desleixo cultural??? Se for uma questão financeira arranquem as couves e plantem coisas mais rentáveis, talvez daqui a uns anos se consigam reunir verbas suficientes para reconstruir este monumento...
Os fantasmas desta casa haviam de assombrar eternamente os que ergueram a lindeza de betão ao seu redor. Mas não. Esta assombração inferniza só gente como eu e vossemecê.
ResponderEliminarCumpts.
Caro Gastão excelentes fotos como de costume. Sem querer fazer propaganda e sem sequer ter a sua qualidade nas fotos que faço, andei por todos os prémios Valmor desde o primeiro até 1949. Este aqui do Lumiar DOEU-ME IMENSO como Lisboeta que sou há 56 anos. A cidade tem vindo a ser destruída ao belo prazer da ganância do dinheiro. Temos, digo eu, todos de tentar para com isto. Outro dia sobe que o cpomplexo desportivo dos Olivais, incluindo a célçebre Piscina que tantas gerações alegrou e cultivou desportivamente, vai desaparecer. Desculpe o desabafo, mas isto NÃO PODE CONTINUAR A ACONTECER. Parabens pelo seu Blog. É excelente. Ricardo Santos
ResponderEliminarEstimado Gastão,
ResponderEliminaradorava que as suas fotos fossem vistas pelo maximo de pessoas. Exponha as suas fotos por todo o lado e em especial em locais turisticos para que todo o mundo veja a desgraça em que este país se encontra. Optimo trabalho! Cumps - Isabel
Boa tarde! sou estudante de arquitectura e estou a fazer um trabalho de projecto para este edifício...eheh vou ter que saltar o muro para ir medir algumas coisas! é melhor entrar por trás?!
ResponderEliminartenho a dizer que há muita gente na minha faculdade que conhece o seu site!
Disse tudo o que era necessário, quando mencionou a dimensão do terreno e da própria casa (piscina olímpica). Imagine umas torres imundas construídas pela gentuça BES/CML, que se erguerão nesse local. Se pudessem fazer o mesmo no Terreiro do Paço, não hesitavam. Canalhas!
ResponderEliminarDescobri este blog por estar, exactamente, a fazer um trabalho sobre este monumento. É incrível não é? Contudo não consegui entrar, limitei-me a tirar fotos de fora da propriedade. As tuas descrições estão muito boas, já agora, outro edifício muito interessante, se calhar já o viste, situa-se em Caneças. É lindíssimo também e tem azulejos Viúva Lamego. É um palacete, chama-se vila Amélia. Se ainda não falaste sobre ele então aproveita e vai vê-lo, para mim é um pedaço de céu. =)
ResponderEliminarum prémio valmor assim... realmente os políticos preocupam-se com coisas que não deviam... o patrimoniado esse definha a toda a hora
ResponderEliminarUma obra de arquitectura absolutamente lindíssima , na sua época dourada e que , nos dias de hoje , tem conseguido resistir , de forma absolutamente heróica , ao cerco da artilharia pesada , liderada pelo comandante betão armado .
ResponderEliminarSobre os donos desta casa talvez possa ajudar, uma vez que os meus avós eram amigos deles e a minha mãe embora cachopa pequena era visita frequente.
ResponderEliminarJose Carreira de Sousa era concunhado do Fausto de Figueiredo e um dos donos do Banco Fonsecas Santos e Viana. Um dos seus irmãos tinha também uma moradia, na Av. 5 de Outubro onde mais tarde foi a Provedoria da justiça e hoje é um simulacro de moradia pois no lugar do jardim está um prédio e por cima da casa prolongaram esse prédio. Esq. Duque de Ávila. a essa casa cheguei eu a ir... posso contar mais...
No interior desta casa havia uma sala de um azul (sala de visitas)entre o turquesa e o azul forte com prateleiras de vidro embutidas na paredes onde "brilhavam" os "biblots". As portas de ligação entre salas eram de vidros "bisotés" e realmente tinha pinturas nas paredes como dizes. Acho que eram do Benvindo Ceia. Também tinha uma capela ao pé do quarto do Sr.José Carreira de Sousa. Os irmãos eram o Alvaro e o Alvaro Carreira de Sousa sócios do cunhado Fausto de Figueiredo (do Estoril)
ResponderEliminarEste edifico por volta dos anos 70 foi alvo de um incêndio, alguém sabe a data exacta da ocorrência?
ResponderEliminarRelativamente aos interiores do edifício, onde poderei encontrar fotos, desenhos, livros ou qualquer outro suporte que o ilustre.
Os parabéns ao criador deste Blogue
Infelizmente, este extraordinário edifício encontra-se em ruínas pelo menos desde o início da década de 1990...
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