Foi um exaustivo dia a brincar aos fotógrafos em estruturas que ameaçavam ruir a qualquer instante e que proporcionam além de um interessante espólio fotográfico, um sem fim de fortíssimas emoções. Foi como se tivéssemos feito uma viagem no tempo regredindo cinco séculos de história. Num só dia visitámos casas nobres, clericais e plebeias tentando dessa forma aproximar um povo e uma cultura que representam apenas uma bandeira...
É mais um retrato de um País em ruínas, que sem olhar para classes e credos, vai-se esquecendo do seu distante passado e valioso património arduamente edificado pelos egrégios avós.
Estas ruínas são atentados à inteligência e moral de um povo, são também graves crimes de lesa cultura perpetrados ao longo de várias gerações de por mentecaptas eminências, que não distinguem uma verdadeira obra de arte de um rotunda animada por uma escultura “vanguardista de intervenção pop”.
Não consigo entender porque é que um País com quase novecentos anos de história e tantos grandiosos nomes de cultura, nobreza e arte deixa chegar ao estado de ruína o seu património arquitectónico, comprometendo todo um glorioso passado.
É apanágio da raça lusitana resistir às intempéries e vicissitudes que através dos tempos nos assolaram... conseguimos fazer frente a invasores, pragas, crises financeiras, politicas e sociais...mas não conseguimos fazer frente às eminências pardas que nos governaram e conduziram à ruína este maravilhoso País à beira mar plantado... se calhar temos o que merecemos...
Este monumento é um verdadeiro testemunho de preservança, esforço colectivo e fé. É também testemunho de má gestão política, passividade e inacção, desleixo cultural e ingratidão...
Foi edificado no séc. XVIII , por monges anacoretas, que através do sofrimento, penitência, oração, meditação e abstinência, expiavam os seus pecados e evoluíam espiritualmente. Estes monges habitaram primeiramente as cavernas da Serra de Monfurado, onde se isolavam do mundo e dos pecados que os tentavam.
Os mosteiros e conventos foram idealizados para esse fim, eram locais de reclusão onde os pecados mundanos eram privados de entrar, facilitando dessa forma a vida de quem neles habitava evitando o contacto com as tentações do diabo.
Foi Baltasar da Encarnação, um monge que pelo exemplo da sua conduta conquistou fama e merecida simpatia em todo o Alentejo. Pelas obras de caridade e ensinamentos às populações, tal como a espartana vida que caracterizava este grupo de homens santos, que a sua veneração foi crescendo, granjeando o afecto e generosidade da parte de outros crentes.
João de Vilalobos e Vasconcelos, um nobre descendente do morgado da vizinha Torre do Carvalhal, doou a Frei Baltasar juntamente com outros três monges, o terreno onde foi edificado este convento.
O convento de Monfurado, é o resultado de um hercúleo esforço humano e de uma fé inabalável, onde está patente em toda a sua grandiosa estrutura a índole destes monges. Ao contrário de outras ordens religiosas, todos os indícios de riqueza ou opulência foram suprimidos em favor de uma austeridade material que facilmente se entende pela simplicidade da sua traça e pela falta de elementos decorativos que estes espaços de devoção nunca prescindiram.
A sua curta história foi marcada pelo terramoto de 1755 que o danificou profundamente e logo após o seu restauro foi vitimado pelo decreto de 1834 que extinguiu as ordens religiosas, ditando assim a sua sorte. Ainda se manteve aberto ao culto até ao início do séc. XX e as habitações que o rodeiam estiveram a uso até aos anos oitenta dessa centúria.
Assim entrei no seu interior, o choque emocional que senti ao vislumbrar este desolador cenário foi suficiente para me fazer chegar uma lágrima ao canto dos olhos...exprimi um vigoroso FODA-SE!!!! Ao ponto do meu colega ter pensado que me tinha acontecido alguma coisa... tinha sido apenas a minha revoltada sensibilidade que não conseguiu conter mais uma decepção... foi também o início de uma das maiores reportagens deste projecto...
A nave central foi completamente despojada de todos os elementos que a compunham, restando apenas no chão uma pedra tumular dois púlpitos e o retábulo que ainda tem o encanto com que foi desenhado.
A pedra tumular tem uma inscrição que denuncia os seus locatários, trata-se de D. Luís Fidalgo e sua mulher Archangela, falecidos em 1745...nada mais consegui apurar.
O retábulo foi certamente idealizado com todos os preceitos de magnificência e pobreza, a talha dourada, característica do estilo barroco, foi substituída por frescos em trompe l’oeil, conseguindo ter deste modo a austeridade e opulência que esta igreja necessitava.
As pinturas que ainda hoje exibe, são apenas desenhos geométricos e motivos rocaille sem alguma referência religiosa, há também um brasão partido, com as armas da coroa e da família Matos ou Sepúlveda, conforme o identifiquei pelo armorial lusitano.
Embora tenha investigado a genealogia de J. Vilalobos de Vasconcelos, não encontrei nenhuma ligação com estas famílias, mas fiquei bastante agradado quando soube que descendemos da mesma linhagem... a família Freire d’Andrade. Ah! “ganda” primo!!!!
Por um corredor lateral temos acesso à cripta, onde se encontra ainda um altar e oratório em relativo bom estado de conservação. A luz existente e a monocromia destes espaços não permitem grandes contraste de cor e de luz, conforme estou habituado a trabalhar, tornando este espaço no ponto de vista de fotogenia como um difícil exercício de criatividade gráfica.
Seguimos em direcção ao claustro que se encontra intransitável pela vegetação que livremente ali cresceu, o que torna esta ala uma vez mais no ponto de vista fotográfico completamente impraticável, sobrando apenas as arcadas para tirar algum partido fotogénico deste espaço.
Por uma íngreme e escura escadaria acessa-se ao andar superior, onde somos conduzidos por dois compridos corredores, ao coro alto e uma outra ante camara, à torre sineira e às celas dos monges, além de outros cómodos que serviam para aliviar as monásticas tripas destes homens de Deus.
Há ainda uma grande sala que por ser mais iluminada, poderá ter sido utilizada pelos frades copistas que ali viveram.
Uma outra escada, menos grandiosa e mais iluminada levou-nos a um espaço que se adivinha ter servido de cozinha e sala de jantar, além de uma grande lareira, há também lavatórios que nos mostram que a higiene destes monges não era descurada.
Num outro corredor que nos leva ao claustro, jaz no chão o que resta de um engenho coberto de ferrugem e que deverá ter sido nos seu tempos áureos uma bomba de água.
Uma vez mais voltamos ao claustro, que ao lado direito das suas arcadas tinha várias salas, sendo a última certamente uma dispensa onde se armazenariam alguns viveres e onde se distribuiria às populações carenciadas alguns dos géneros ali produzidos.
Outras salas retratadas devem ter sido enfermarias e camaratas que acolhiam viajantes e crentes que por aqui procuravam abrigo ou reclusão. Todas elas estão vazias mas ainda capazes de contar algumas histórias, para isso basta ouvir com atenção as pedras e paredes que continuam eloquentemente a transmitir as suas memórias.
Da mesma propriedade fazem parte outros edifícios, o convento tem adossado em cada alçado outras estruturas de menor dimensão e importância arquitectónica, cujo acesso nos foi vedado pelas silvas que como autênticas guardiãs mantém inexpugnável os seus interiores abrindo apenas uma excepção.
Há também uma casa de maior dimensão e com uma traça mais elaborada, conhecida nas cartas militares como “palacete dos monges”, embora esteja longe de parecer um palacete, pela falta de nobreza na sua traça, tem um tamanho que quase lhe permite ter esse mesmo epíteto, o que choca naturalmente com a austeridade que era imposta aos monges que aqui viviam e me leva a crer que seria utilizada por outras pessoas que não fossem de carácter religioso ou monacal.
Uma vez mais as silvas fazem questão em manter qualquer intruso longe do seu interior, permitindo apenas a sua abordagem pelo lado de fora, esta casa segundo consta foi habitada até aos anos oitenta do século passado e poderia perfeitamente ser recuperada como casa de campo ou quinta.
Embora todas as estruturas arquitectónicas deste núcleo estejam em avançado estado de ruína, os campos circundantes estão bem aproveitados como propriedade agrícola, demonstrado que a prosperidade e o trabalho neste local ainda não tiveram fim.
A visita a este monumento só deve ser feita por alguém que esteja acompanhado e tomando todos os cuidados necessários para evitar situações de risco. Todo o convento está numa situação de derrocada eminente, havendo vários pontos estruturais muito fragilizados que auguram ruir a qualquer instante.
Uma vez que estamos num templo, é portanto aconselhável ter não só o respeito natural que este tipo de construções exige, como também é preciso ter em conta os perigos constantes destas aventuras ruinosas.
A nossa segurança nunca deve ser posta em causa por muitos apelos que possamos ter nalgum ponto de vista mais interessante, evitando deste modo o risco que a nossa integridade física corre de se arruinar de um momento para o outro.
Localização : 38º34'26''N 8º11´36''W
mais um excelente trabalho.Obrigado.
ResponderEliminarJá sigo este blog há algum tempo e esta reportagem foi a mais interessante até à data.
ResponderEliminarChoca-me o pouco respeito que se mostra pela nossa história e espero que este blog esteja a contribuir para divulgar o problema.
Bom trabalho, espero que continue.
Já há tempos que pensava vir dar conta de dois ou três recados…pois é dia! Primeiro para dizer que acho fantástico o seu trabalho bla bla bla mas isso não deve ser para si novidade. A segunda que não consigo perceber o tratamento de imagem que utiliza e que acho espantoso…aceito dicas!
ResponderEliminarA terceira que acaba por ser a primeira para lhe chamar a atenção para um imóvel mesmo junto à estrada Consiglieri Cardoso em Queluz de Baixo, mesmo no centro da vila. Uma dor de alma, um absurdo. Em suma um crime! Se não conhece dever ver!
Abraço
Tinha ouvido falar deste local por um amigo, que há uns anos se aventurou nele. Conhecia apenas o relato das suas aventuras, no testemunho oral que fora passado, e agora fiquei deveras impressionado pela magnificência do edifício.
ResponderEliminarObrigado, Gastão, pelo que aqui proporcionaste nesta divulgação.
Abraço
Portugal acabou. As silvas são o cair do pano. O sedimento deve fechar a cena. Portugal acabou.
ResponderEliminarCumpts.
Parabéns excelente trabalho.
ResponderEliminarEstou a fazer neste momento pesquisa sobre este espaço, pois pretendo fazer um documentário sobre este local tão "sinistro" e ao mesmo tempo tão belo, apesar de todos os seus perigos. Sou de Montemor e este local sempre despertou em mim uma grande curiosidade, apesar de haver pelo menos 6 conventos no distrito de Montemor.
Tive à bem pouco tempo lá a fazer umas filmagens e a tirar umas fotos e o local não está para "brincadeiras". Mas mesmo assim quero avançar com este Documentário, e apurar responsabilidades sobre o estado de degradação do local.
Abraço
Parabéns mais uma vez pelo trabalho
Olá. Descobri o blog quando pesquisava informação sobre este convento, pois estive lá recentemente e foi como uma aventura de Indiana Jones e o convento perdido. Já me tinham falado do convento mas como estava em ruínas não imaginei que fosse tão grande. Como foi possível esquecer este local e deixa-lo ao abandono?! O património de todos nós passa para os privados que não têm a sensibilidade nem capacidade de manter a sua conservação. Mas também confesso que descobrir este imponente monumento escondido debaixo das silvas e trepadeiras tem o seu fascino.
ResponderEliminarParabéns pelas fotos, estão fantásticas!
Bruna
Parabéns amigo por estas imagens únicas e espectaculares e pena vermos o estado em que esta a nossa nação isto era uma das mais valias para darmos um bom cartão de visita aos nossos turistas se alguém de direito lançasse mão a obra e aproveitasse tudo de bom que temos no nosso pequeno, mas grande Pais rico em tudo e só querermos e aproveitarmos,Obrig.
ResponderEliminarConheço este local à uma serie de anos. Tem sido palco de varias aventuras de escuteiros ao longo dos anos, se bem que a continuação da deterioração acabou também por nós por ser abandonado.
ResponderEliminarBoa reportagem
Fiquei curioso e fui pesquisar sobre este monumento.
ResponderEliminarUtilização Inicial
Religiosa: mosteiro dos Eremitas de São Paulo Primeiro Eremita (Paulistas)
Utilização Actual
Devoluto
Propriedade
Privada: pessoa singular
Cronologia
Séc. 18, inícios - fundação por um grupo de eremitas que viviam nas lapas subterrâneas da Serra de Monfurado;
1738 - é rezada a 1º missa;
1755 - muito danificado pelo terramoto;
1834 - aquando da extinção das Ordens Religiosas é votado ao abandono;
1994, 19 fevereiro - incluído no PDM de Montemor-o-Novo ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 8/94;
2006, 16 de novembro - Alteração do PDM ratificada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 2/2007, publicada no DR, 1.ª série, n.º 4, de 5 janeiro.
De resto, bom trabalho fotográfico (acho que todos lhe devem dizer isso)!
sem duvida muito bom , há possibilidade de restauração ?
ResponderEliminarExcelente artigo. Muitos parabéns.
ResponderEliminarComo já foi aqui relatado, também eu conheci esta reliquia através de actividades de escuteiros e desde a primeira que fiquei apaixonado por este local mágico. Fizemos actividades nele durante a noite e com nevoeiro e posso dizer que foi unico. Desde há uns anos que não o visito mas pretendo faze lo brevemente através doutro vicio que é o geocashing.
Dou os parabéns pelo artigo, não só pelo seu conteudo e descrição detalhada, mas porque desta forma consegue manter este local vivo ainda que ao abandono.
Bem haja.
António Loução (Évora)