quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Litania Heróica - Tributo a José Régio


Entrem, entrem os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No palácio inabitado
Sem Telhado e sem vidraças nas janelas...
Que os vidros se me estalaram,
O telhado me voou,
E, pelos caminhos que ante mim se desdobraram,
Eu lá vou (nem sei se vou...)!


Sem preferir, sem definir, sem restringir, avanço
De renúncia em renúncia, luta em luta.
Não sou para ter descanso,
Não para ser redimido...

 
Também não sou para vencer ou ser vencido.
Lutei, luto e lutarei...
Do Nenhum-Reino é que sou rei!


Também não sou para dormir nas estalagens.
Venho de trás vou para a frente...
Como bastar-me o presente?
Lucidamente delirante, o meu olhar é um rastro ardente
Incendiando todas as paisagens...


Por tudo isto sou profundamente só,
E me debato com ansiedade,
E nada sei ver só de um lado,
Porque, pairando em tudo como a luz ou como o pó,
Transbordo de humanidade,
Vivo desumanizado

 

Vivo na heróica tortura,
E viva a magna aventura!
Minha grandeza é sem cura...
Renego a felicidade.



Entrem, entrem os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No palácio inabitado
Sem Telhado e sem vidraças nas janelas...



Entrem as aves nocturnas,
Os animais sem dono, as feras brutas,
Os fantasmas peregrinos,
Os lunáticos, os párias, os ladrões, os assassinos,
Que têm olhos como furnas,
Bocas mudas como grutas...



Tudo em que mais vasto for,
(Sei-o! bem n-o sei, Senhor!)
Pagá-lo-ei demasiado caro.




Faça-se, pois, em mim toda a vossa Vontade,
Emudeça em meu lábio o vão reparo...

 
...E a vida me persiga
Com as misérias mais subtis e menos gloriosas,
As decepções mais insólitas,
Humilhações mais recônditas
E raras,
Para que enfim se extinga toda a veleidade
De também ir atrás de nem sei que felicidade... 




Entrem, entrem os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No palácio inabitado
Sem Telhado e sem vidraças nas janelas...



E de misérias, decepções, humilhações,
E apelos de velhos vícios,
E virtudes ignoradas,
Farei látegos! Cilícios
Para me modelar às chicotadas!


Assim não pare, nem descanse,
Seja em que lar, ou seja em que deserto
Sem preferir nada a nada,
Fugindo sempre da entrada,
De continuo avance!
Avance, sempre mais longe e mais perto...


Porque não é em mim que me sonhei viver!
Meu ser-eu só me aperta, e só sonho esmagá-lo.
Livre, sou tudo o que é, foi, há-de ser,
Vivo em tudo o que vive, há-de viver, viveu...


E então quando eu disser: “eu...”
Já direi: “Não! Não é de mim que falo!”

 
Entrem, entrem os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No palácio inabitado
Sem Telhado e sem vidraças nas janelas...

3 comentários:

  1. Não é dos meus poetas preferidos, mas a escolha é magnífica, como as imagens.

    abraço

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  2. As fotos como sempre, transportam-me a uma época que não é a minha e fazem - me sonhar com os tempos áureos que outros viveram. Mas dá um dó olha-las assim, em ruínas. Um abraço.

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